Com a posse do XXV Governo Constitucional, liderado por Luís Montenegro, os 16 ministros e os 43 secretários de Estado começam a ter o seu passado escrutinado. Em especial, os novos detentores de pastas. Considerando a área da Educação, uma das novidades passa pela criação de uma Secretaria de Estado para o Ensino Superior.
Cláudia Sarrico, nomeada secretária de Estado do Ensino Superior, tem um histórico de posições que alguns poderão considerar controversas sobre o financiamento do setor, enquanto era apenas professora catedrática no Departamento de Gestão da Escola de Economia, Gestão e Ciência Política da Universidade do Minho. Num artigo de opinião do final de 2022, Cláudia Sarrico defendeu que as propinas em Portugal são “baixíssimas” e criticou o ensino superior gratuito ou quase gratuito, classificando-o como uma medida de efeito regressivo. O tema foi também discutido na emissão do PEÇO A PALAVRA, na antena da TSF Madeira, que contou com a opinião de estudantes sobre a posição da nova governante.
Segundo Cláudia Sarrico, o modelo atual beneficia sobretudo os mais privilegiados, reforçando desigualdades, uma vez que muitos contribuintes que não frequentaram o ensino superior continuam a financiá-lo através dos seus impostos.
No artigo de opinião do Observador, em 2022, a atual governante propôs a introdução de um sistema de empréstimos a estudantes, com reembolsos ajustados aos rendimentos futuros dos diplomados. Defendeu que este mecanismo permitiria uma maior equidade no acesso ao ensino superior e tornaria o financiamento mais sustentável, eliminando o pagamento imediato de propinas. Sublinhou ainda que quem não atingisse determinado rendimento ficaria isento de reembolso, tornando o sistema menos penalizador para os mais vulneráveis.
O modelo de empréstimos reembolsáveis com base no rendimento, defendido por Cláudia Sarrico, inspira-se em sistemas como o britânico, que tem sido alvo de críticas no Reino Unido. Segundo o Institute for Fiscal Studies (IFS), o sistema britânico de empréstimos tem-se revelado profundamente desigual e ineficaz. Apesar de prever pagamentos ajustados ao rendimento, a maioria dos estudantes contrai dívidas superiores a 45 mil libras e apenas uma minoria consegue pagá-las na totalidade. Um relatório da IFS, de julho de 2021, indicava que “apenas cerca de um quarto [25%] pode esperar pagar os empréstimos na totalidade” sob o sistema então vigente.
Estudo revela desafios dos universitários a estudar do em Lisboa e no Porto
Um estudo recente conduzido pelo EDULOG, entidade da Fundação Belmiro de Azevedo, trouxe à luz desafios enfrentados por estudantes das duas áreas metropolitanas portuguesas, no alojamento, mobilidade e financiamento, evidenciando a forte dependência da família. Os estudantes madeirenses, porém, são dos mais beneficiam de bolsas de estudo.
Uma voz (in)audível contra a tutela
Mensalmente, a ACADÉMICA DA MADEIRA tem um espaço de opinião no JM Madeira. Ricardo Freitas Bonifácio, Presidente da Direção da ACADÉMICA
De acordo com o IFS, “os diplomados com rendimentos médios acabam por pagar mais do que os mais ricos, devido à acumulação de juros ao longo dos anos”, o que transforma o modelo num “imposto regressivo disfarçado de apoio à educação”. Estas críticas intensificaram-se nos últimos anos, levando a propostas de reforma para evitar que o sistema desincentive o acesso ao ensino superior.
O britânico The Guardian, refere que “os empréstimos estudantis em Inglaterra deverão custar ao governo mais 11 mil milhões de libras por ano devido ao forte aumento das taxas de juro, que encarece substancialmente o custo do financiamento, segundo uma análise do IFS”.
A nomeação da governante, feita na semana passada, gerou preocupação entre várias estruturas estudantis, que temem uma ofensiva contra o caráter público do ensino superior. Nove associações estudantis, incluindo da Universidade de Lisboa, do Porto e da Nova, subscreveram um comunicado onde afirmam que o atual Governo está a aprofundar políticas que agravam as dificuldades dos estudantes, defendendo, em sentido contrário, o fim das propinas, o reforço da ação social escolar e o investimento no alojamento estudantil.
A crítica de Cláudia Sarrico ao modelo de propinas não é isolada. Em 2023, numa apresentação feita para o Edulog, no quadro de uma conferência sobre as recomendações da OCDE a Portugal, voltou a defender a introdução de empréstimos reembolsáveis com base no rendimento futuro. Propôs ainda que estes incluíssem custos de manutenção e fossem acessíveis a todos, independentemente da idade, da instituição ou do regime de frequência. Como forma de compensar o risco de endividamento dos mais pobres, defendeu a atribuição de bolsas condicionadas aos rendimentos.
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No final de dezembro, o governo publicou o diploma que aprovou o “prémio salarial de valorização das qualificações no mercado de trabalho”. Os jovens, até aos 35 anos, que optaram por ficar a trabalhar no país depois de terminar o ensino superior, mesmo que tenham concluído o curso antes de 2023, podem ter direito ao prémio, nas condições previstas pelo decreto-lei.
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Além das propinas, a nova responsável pronunciou-se, no passado, sobre outros temas estruturais. Considera, por exemplo, que o numerus clausus generalizado já não se justifica, e que o acesso ao ensino superior deve ser garantido a todos os que demonstrem capacidade e motivação. No entanto, alertou para os riscos de facilitar em demasia a entrada de alunos que não estão preparados, o que pode comprometer a qualidade do sistema.
Cláudia Sarrico também defendeu uma revisão profunda dos programas de doutoramento. Na sua opinião, há demasiada permissividade no acesso, desde que se paguem as propinas. Sublinhou que o talento académico é escasso e que a excelência deve ser garantida, pois são apenas uma minoria os que atingem os níveis mais elevados de literacia e numeracia. Para a nova secretária de Estado, é essencial assegurar que os doutoramentos sejam reservados a quem verdadeiramente demonstra mérito e capacidade para alcançar esse patamar.
A nova legislatura poderá arrancar com novas posições na pasta do Ensino Superior. Se a governante irá iniciar a discussão sobre estes temas, não é conhecido. Certa poderá ser a necessidade de recuperar a revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, interrompida com a convocação de eleições no primeiro trimestre.
Luís Eduardo Nicolau
Com Carlos Diogo Pereira
ET AL.
Com fotografia de Mariana Branco/Portal do Governo.