As universidades legitimam as praxes?

As universidades legitimam as praxes?

Hoje, às 16:00, há emissão em direto do PEÇO A PALAVRA. O sociólogo e economista Jonas Van Vossole e a psicóloga Dora Pereira são os convidados desta emissão sobre um dos assuntos mais populares do arranque letivo.

O episódio do PEÇO A PALAVRA desta quarta-feira, emitido em direto às 16:00, discute um dos assuntos mais falados no início do ano letivo universitário, a praxe académica. Como o sociólogo e investigador Elísio Estanque referiu, “o significado das praxes estudantis não é uma matéria de interesse exclusivo do mundo universitário”, facto que é ilustrado por diversos estudos, inclusive fora de Portugal. Tais estudos atestam a amplitude e a influência destes rituais, que continuam polémicos, no Ensino Superior e na sociedade portuguesa. Angariadora de ódios e de paixões, a praxe tem o mérito de não ser uma prática indiferente perante o público.

Institucionalmente, após anos com o mês de setembro marcado com recorrentes mensagens sobre o fenómeno, o ministro que tutela o Ensino Superior no executivo de Luís Montenegro, não endereçou mensagens aos estudantes e demais comunidade académica sobre o tema. Em 2024, o arranque do ano letivo foi parco em notícias sobre a praxe, normalmente desencadeadas a partir das missivas ministeriais ou de acidentes e escândalos relatados. Em 2022, a antiga ocupante do Palácio das Laranjeiras, Elvira Fortunato, referia “que a recepção e a integração de novos estudantes não podem assentar em práticas de integração humilhantes e abusivas”. Foi uma das comunicações ministeriais que ilustrou a oposição aos rituais que continuam férteis nas Universidades portuguesas.

Numa perspetiva histórica, apesar dos registos que apontam para que o termo “praxe” tenha surgido na segunda metade do século XIX, a prática social destes rituais de iniciação entre universitários é bem mais antiga. No início do reinado de D. Maria II, ainda durante a regência, as universidades perderam um privilégio secular de foro académico, criado no início do século XIV, que dava um estatuto de exceção aos membros do corpo universitário. Esta prerrogativa acabava por camuflar vários abusos que envolviam práticas ilícitas e violentas, não restritas ao quadro dos rituais. É neste contexto de privilégio que o traje académico surge para diferenciação deste segmento de elite da restante sociedade. A república, em 1910, aboliu a prática destes rituais, retornando poucos anos depois e vivendo um período de intermitência no século XX. Com o fim do luto académico, na década de 80, os rituais regressaram e mantiveram-se até à atualidade.

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Nesta emissão do programa, que trata dos rituais de integração, Ricardo Miguel Oliveira, jornalista e diretor geral editorial do DIÁRIO DE NOTÍCIAS, estará acompanhado, no painel do PEÇO A PALAVRA, por Ismael da Gama, finalista da licenciatura de Engenharia Informática na UMa e coordenador da unidade de Política do Ensino Superior na Associação Académica, além de embaixador da Startup Portugal na Madeira. Com eles, integra o painel Tiago Caldeira Alves, estudante da licenciatura de Engenharia Informática na UMa e membro da unidade de Política do Ensino Superior.

Jonas Van Vossole é contra a recorrente conivência das Universidades com a praxe. O sociólogo e investigador no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra estará no painel desta emissão para nos dar o seu ponto de vista. É também convidada do programa Dora Isabel Fialho Pereira, do Serviço de Psicologia da Universidade da Madeira. Quando os últimos governos foram marcados por repúdios à praxe, apelando para “alternativas de integração mais positivas”, que não afetem a saúde física e mental dos estudantes, será que a psicologia atesta aspetos positivos nesta prática?

Uma das ferramentas criadas quase dois anos após o mediático acidente ocorrido na praia do Meco, que vitimou seis estudantes, foi uma linha de apoio aos estudantes, familiares e comunidade académica. Ao longo de seis anos, este canal criado para denúncia de praxes abusivas recebeu pouco mais de uma centena de queixas. Lançada em 2015, até 2021 a linha registava 126 denúncias, sendo que 80 foram feitas no primeiro ano de funcionamento. Manuel Heitor, antigo titular da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, afirmou, em 2021, esperar “que não haja praxes” neste novo ano letivo, na sequência da crise pandémica que ainda era vivida.

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João Teixeira Lopes, investigador da Universidade do Porto, e João Sebastião, investigador do Instituto Universitário de Lisboa, coordenaram um estudo, encomendado pelo executivo liderado por António Costa, sobre o fenómeno social da praxe. Em 2017, o estudo “A Praxe como Fenómeno Social”, promovido pela Direção-geral do Ensino Superior (DGES) incidia sobre “o significado sociológico e antropológico da praxe enquanto ritual de passagem, assente num conjunto de práticas, usos e costumes que visam uma «desbestialização do caloiro» com vista à ressurreição simbólica e identitária numa nova fase da sua vida social”. O trabalho incluiu a realização de um inquérito às Instituições de Ensino Superior e às Associações Académicas e de Estudantes para ilustrar a realidade deste rituais no território nacional. O estudo refere que 60,7% dos reitores inquiridos não concordavam com a proibição de atividades de praxe nos campi das suas instituições, por haver “maior possibilidade de controlo” ou por existir “concordância com as atividades”. Quando questionadas, as estruturas representativas dos estudantes, indicam, na sua maioria (79,0%), ser contra qualquer proibição da praxe nos espaços universitários, suportando a sua afirmação com a concordância da prática, “maior controlo e fiscalização” e o “carácter livre da adesão aos rituais de praxe”.

Como refere o sociólogo Jonas Van Vossole, professores, autoridades académicas, autoridades políticas e forças de segurança acabam por ter conhecimento, colaborar e consentir com a prática dos rituais de praxe. O investigador questiona “onde está a responsabilidade dos professores que permitem que isto aconteça, daqueles que ainda incentivam os seus alunos a participar, que emprestam a sua aula à praxe porque acreditam que é bom para a «integração»?”.

O estudo da DGES, aponta testemunhos positivos dos estudantes, em muito fundamentados pelo “cariz voluntário da praxe”, sobre os rituais de iniciação, considerando que os “estudantes também valorizam a praxe enquanto um conjunto de usos e costumes tradicionais relacionados com a sua identidade coletiva. Todavia, têm consciência de que a praxe é uma tradição plástica, que se reinventa a todo o momento. Muitos deles consideram que as mudanças que ela tem conhecido vão precisamente no sentido de retirar da praxe os seus aspetos que possam ter uma carga mais violenta, ofensiva ou humilhante, sem, contudo, atingir a sua «essência», ou seja, a sua hierarquia e a sua natureza integradora.

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À escala iberoamericana, um estudo da rede Universia, divulgado em 2015, apurou que 73,0% dos jovens universitários portugueses inquiridos afirmaram “que sofreram alguma praxe mais pesada quando entraram na universidade, contra a média dos alunos do conjunto desses países, onde apenas 25,0% das respostas foram no mesmo sentido”.

Considerando a componente social, o investigador Elísio Estanque, na obra Praxe e Tradições Académicas, refere que a “praxe fornece o principal campo de aliciamento e recrutamento para futuros alinhamentos de natureza associativa ou partidária”, alegando a influência que irá exercer no grupo que adere a estes rituais, sendo que a coesão desta comunidade é um fator determinante neste campo. De acordo com o sociólogo da Universidade de Coimbra, enquanto o “consumismo e a indiferença generalizada” continuarem a imperar, na falta de uma “consciência cívica no meio estudantil”, as identidades coletivas não irão “proporcionar viragens sociopolíticas de cariz progressista”. Jonas Van Vossole, defende que o mínimo que “deve ser feito é desaconselhar a praxe, fazer prevenção, informar os estudantes e criar alternativas de integração”.

O Ensino Superior, enquanto espaço diversificado de opiniões, não é unânime na interpretação que faz do fenómeno da praxe. Como referido no estudo da DGES, há vários dirigentes que estabelecem diálogos com as estruturas da praxe, num apoio indireto que é corroborado por outros dirigentes e elementos da comunidade de professores, investigadores e pessoal técnico e de gestão das instituições. No caso da Universidade da Madeira, o Serviço de Psicologia aponta testemunhos que sinalizam vivências e experiências dos rituais de iniciação na Academia madeirense, juntando-se a outros relatos no mesmo sentido. Em 2024, há várias estruturas que organizam programas de integração demarcados da praxe. No caso da Académica da Madeira, como foi recentemente noticiado, o programa de integração perdeu a nomenclatura “caloiro” e ganhou uma terminologia mais ampla, “Aprochega-te”, com o propósito assumido de não restringir nem ligar a receção dos novos estudantes aos rituais da praxe, promovendo atividades de música, de cultura e de desporto.

Luís Eduardo Nicolau
Com Carlos Diogo Pereira
ET AL.
Com fotografia de Pedro Pessoa.

O título deste artigo, As universidades legitimam as praxes?, é baseado no título de um artigo do jornal PÚBLICO, sobre o estudo da DGES de 2017. A alteração foi a formulação como pergunta, quando o artigo indica como afirmação.

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