“Falar do fim das propinas, como defendo, também obriga a falarmos do financiamento das instituições”

Na sessão oficial de comemoração do Dia da Universidade da Madeira, Ricardo Freitas Bonifácio fez notar aos reitores, à Secretária de Estado da Ciência e ao Ministro que tutela o Ensino Superior os desafios que a nossa instituição e os seus estudantes enfrentam.
Ricardo Freitas Bonifácio, Presidente da Direção da ACADÉMICA DA MADEIRA, na Sessão do Dia da UMa, realizada a 6 de maio de 2024, no Colégio dos Jesuítas do Funchal.

“Em 2024, assinalamos os 50 anos do “25 de Abril de 1974”, uma das datas fundadoras da nossa democracia. Entre os seus antecedentes, temos, por exemplo, a crise académica de 1962 e a crise universitária de 1969”, disse Ricardo Freitas Bonifácio, presidente da ACADÉMICA DA MADEIRA, na sessão solene do Dia da Universidade da Madeira (UMa), relembrando que nesse período os estudantes eram “suspensos, expulsos, presos ou incorporados no serviço militar para as fileiras da guerra que se travava em África”.

Passados 50 anos desde do 25 de Abril, há novos “problemas que vivemos e os problemas que continuaremos a viver se não alterarmos políticas que os sucessivos governos têm falhado em discutir e promover”, exigências essas, apresentadas pelos estudantes em maio do ano passado, nas comemorações do Dia da UMa.

O presidente, falando para os docentes da UMa, recordou que muitos trabalham sem “segurança e proteção laboral, perspectivas de carreira e, tal como vocês, estão mergulhados em burocracia, divididos entre a componente letiva e de investigação. Pressionados pela necessidade feroz de financiamento, de avaliações, de publicar com impacto para garantir pontuações e pagar às editoras que, mundialmente, fazem um negócio milionário que tem ditado, em muitos casos, o rumo da investigação”.

Lembrou os doutorandos que “continuam a pagar centenas de euros de taxas de entrega de tese” e os bolseiros da FCT que “continuam sem a compensação do aumento do custo de vida para todas as tipologias de bolsa. As suas bolsas são pagas durante 12 meses e sem subsídios, como o de alimentação” além de que “perdem cerca de 20% da remuneração que teriam, caso tivessem a segurança de um contrato laboral. Por força do regime de dedicação exclusiva, […] são obrigados a depender das suas famílias para a sua sobrevivência financeira quando se verificam atrasos na fase inicial dos seus contratos, com atrasos no pagamento da bolsa”.

Fernando Alexandre Ministro da Educação Ciência e Inovação com estudantes da Universidade da Madeira durante a manifestação de 6 de maio de 2024 no Pátio dos Estudantes do Colégio dos Jesuítas do Funchal promovida pela ACADÉMICA DA MADEIRA

À secretária de Estado da Ciência, Ana Paiva, o presidente denunciou dos problemas do calendário de abertura dos concursos públicos para o financiamento de projetos científicos que “têm atrasado a ciência e a tecnologia em Portugal e desesperado milhares de investigadores”, apelando para uma “abertura anual de concursos seja em datas fixas e regulares, promessa não cumprida pelo anterior governo”.

Abordando o alojamento estudantil na UMa, Ricardo Freitas Bonifácio, lembrou a Tutela de que a legislatura anterior comprometeu-se a melhorar o alojamento estudantil universitário na Madeira, deixando ao atual Executivo como herança o “peso financeiro para o funcionamento e manutenção” das residências das ruas de Santa Maria e da Carreira e da Quinta de São Roque, “que perante o quadro orçamental atual será incomportável”, visto que os sistemas de ação social “não vivem ou sobrevivem com as atuais dotações, seja em Lisboa ou no Funchal”.

Ao ministro, o presidente indicou acreditar que as propinas “são um entrave no acesso e na frequência do Ensino Superior e que não devem existir. As universidades continuam a depender dessas receitas e, a sua redução nos últimos anos, deixou as instituições sem a necessária compensação financeira nos seus orçamentos”. “Falar do fim das propinas, como defendo, também obriga a falarmos do financiamento das instituições. Sem esse equilíbrio, poderemos estar a entrar numa demagogia que não promove o bem das universidades, como temos visto”, sublinhou.

Na sua preleção, Ricardo Freitas Bonifácio mostrou ainda alguns dados de satisfação dos estudantes em relação à UMa. Em maio de 2023, a ACADÉMICA, através de um inquérito a cerca de 400 finalistas pelo Observatório da Vida Estudantil (OVE), “apurou que 93% dos inquiridos recomendam a Universidade da Madeira. A maioria dos inquiridos (80%) afirmou que o curso que estavam a concluir correspondeu às suas expectativas. 82% recomendaria o seu curso”. Mais do que ver a UMa como um escolha segura dos estudantes devido aos custos do alojamento nas outras cidades do país, esta” deve ser uma escolha, principalmente, pela qualidade dos seus cursos e dos seus professores e investigadores”, sublinhou ao reitor e recordando que este mês estará em marcha o inquérito anual aos estudantes pelo OVE.

Estudantes da UMa em protesto por melhores condições

No Dia da Universidade da Madeira, os estudantes protestam no Colégio dos Jesuítas por melhores condições de estudo e de investigação. Entre os convidados das cerimónias na reitoria, a presenciar a manifestação, estavam reitores de várias universidades, a secretária de Estado da Ciência e o próprio ministro que tutela o

“Em 2013-2014, a UMa tinha mais de 600 estudantes nos seus vários cursos de mestrado”  que comparando com “dados de 2021-2022 revelavam que baixamos para cerca de 400 estudantes no 2.º ciclo”. No doutoramento, “a UMa tinha, há dez anos, quase 100 estudantes e, em 2021-2022, registava um número inferior”. Apesar dos números de novos estudantes em 2023-2024 terem sido excelentes, para o presidente estes não representam o “quadro completo” e a UMa tem que estudar este fenómenos. “Sabemos que o Programa de Promoção de Sucesso e Redução de Abandono no Ensino Superior vai financiar mais de 20 instituições, incluindo a UMa”, explica, “Os estudantes e as suas estruturas devem ser envolvidas neste combate, mas não numa ótica de apagar fogos ou conter hemorragias que não foram prevenidas. Temos mestrados com taxas de abandono e desistências superiores a 50% em algumas edições. Outros tantos todos os anos em risco de abrir por falta de estudantes. […] Os dados têm sido difíceis de obter e a sua discussão ampla não tem acontecido. […] Nem tudo se resolve com dinheiro, não deixemos que a falta de orçamento seja a única justificação para as áreas em que estamos a falhar”.

Nesse sentido, há vários anos que a ACADÉMICA DA MADEIRA “tem aplicado fundos e trabalhado para a recuperação de salas de aula, de jardins, para aquisição de fontes de água potável, compra de material para as salas de estudo, bancos para o pátio, um sistema de separação de resíduos em todo o campus e computadores para comunidade. Não ficamos satisfeitos e continuaremos a trabalhar”.

Lembrando o programa de financiamento de iniciativas que acolhimento dos novos estudantes criado no Ministério de Elvira Fortunato, o ministro Fernando Alexandre foi  desafiado a melhorar o apoio dado a instituições e a associações. “O programa anterior apresentou muitos problemas, desde a fase de candidatura e resultados, e não teve continuidade. Apelo que retome este  programa, reestruturando-o […] temos que incluir a integração dos estudantes numa família universitária que não tem a sua atenção apenas nas notas, mas também em todas as componentes desta outra equação cujo resultado é o sucesso. Falamos da igualdade no acesso e na frequência, da difusão de uma cultura de respeito, sem medo da crítica, da promoção da saúde física e mental, da responsabilidade ambiental, do respeito pelas minorias, do combate ao assédio e à violência, da promoção da cultura acessível e plural, da existência de meios para os estudantes com necessidades educativas especiais”.

Abordando a necessidade de promoção de iniciativas que abram a comunidade académica a toda a sociedade, indicou o líder estudantil que “foi com satisfação que tivemos centenas de estudantes e professores presentes no concerto que a Associação Académica realizou a 27 de abril e no concerto em que participamos, por convite da Câmara Municipal do Funchal, a 24 de abril”. “Queremos que a Universidade possa também envolver a sua comunidade nas atividades que promove. Ter estas sessões ainda mais participativas […] Incluir mais artes, cultura, desporto, discussão e outras atividades na abertura das aulas e no Dia da UMa. Se há tantas Universidades que interrompem as aulas, durante vários dias, para as recepções aos novos estudantes e para as semanas académicas, aqui poderíamos interromper, pelo menos nestes dois dias do ano, para promover um envolvimento pleno da nossa comunidade”.

Estudantes da Universidade da Madeira durante a manifestação de 6 de maio de 2024 no Pátio dos Estudantes do Colégio dos Jesuítas do Funchal promovida pela ACADÉMICA DA MADEIRA

Falando dos funcionários da UMa e da Ação Social, lamentou ainda que estes “continuam sem a aplicação do valor do ordenado mínimo regional. Entendo sempre que as lutas podem ser separadas, mas muito mais nos une do que nos separa”.

“A Associação Académica trabalha com os estudantes, pelo seu sucesso em todos os quadrantes, e com a restante comunidade académica. Há poucos dias, recebemos uma nova distinção nacional, no quadro do reconhecimento do nosso programa Herança Madeirense. Quero, por isso, deixar uma palavra de apreço a todos os meus colegas, com especial destaque aos vinte jovens que, diariamente e a partir do Colégio dos Jesuítas do Funchal, promovem cinco circuitos de visitas, que são gratuitas para todos os jovens até aos 18 anos ou para os estudantes universitários” destacou o presidente, acrescentando de que trabalho “não nos isenta da necessidade de continuar a trabalhar mais e melhor em todos os aspectos, de corrigir as nossas falhas e de continuar a caminhar para envolver toda a comunidade académica”.

A terminar, Ricardo Freitas Bonifácio reforçou a “necessidade do nosso compromisso nacional em promover uma política de diplomacia, recusando o apoio aos regimes que promovem a guerra”, incentivando todos a afastar-se “do medo, da indiferença e do conformismo, e honrar todos aqueles que lutaram e lutam por um Portugal mais justo, por um Estado ao serviço dos seus cidadãos”.

Ricardo Freitas Bonifácio
Presidente da Direção da ACADÉMICA DA MADEIRA.