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Governo quer limitar contratações no ensino superior, mas eficácia da medida gera dúvidas

Governo quer limitar contratações no ensino superior, mas eficácia da medida gera dúvidas

O Governo pretende limitar a contratação de doutorados pelas universidades onde concluíram o grau, mas a eficácia da medida levanta dúvidas entre especialistas e responsáveis académicos.

O Governo português apresentou uma proposta para combater a endogamia académica, limitando a contratação de doutorados pelas instituições de ensino superior onde obtiveram o grau, durante os primeiros três anos. A medida, noticiada pelo Público, foi anunciada pelo ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, e integra a revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES). “A proposta que temos é que os estudantes que iniciem o seu doutoramento depois da publicação do novo RJIES não possam ser contratados durante três anos na instituição onde se doutoraram”, explicou o ministro durante uma apresentação em Lisboa.

No entanto, há dúvidas sobre a eficácia da medida, uma vez que uma regra semelhante já existe para os programas de pós-doutoramento. Segundo Orlanda Tavares, investigadora na Universidade do Minho contactada pelo Público, “esta medida anunciada vem reforçar uma medida já existente ao nível das bolsas pós-doutorais”, referindo-se às normas da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que proíbem que a instituição de acolhimento seja a mesma onde ocorreu a maioria dos trabalhos de doutoramento.

Tiago Dias, representante da Federação Nacional dos Professores (Fenprof) em declarações ao Público, também considera a proposta limitada e insuficiente. Para o responsável, a medida carece de fundamentação e pode não ter grande impacto prático. “Os concursos não aparecem logo a seguir à conclusão do doutoramento. Andamos ali um ano ou dois anos à procura”, explica, referindo-se à dificuldade que muitos doutorados enfrentam no início da carreira académica. Tiago Dias acrescenta ainda que a restrição pode ser contraproducente, ao impedir experiências docentes iniciais: “Ao ficarem impedidos de lecionar na instituição onde fizeram o doutoramento, vão estar impedidos de ganhar currículo”.

Paulo Ferreira, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, sublinhou ao Público a necessidade de uma abordagem mais abrangente. “Se queremos combater a endogamia, temos de considerar não só o recrutamento, mas também toda a carreira”, defende. O também reitor da Universidade de Aveiro alerta para as dificuldades existentes nos processos de promoção e progressão na carreira, reiterando que “atuar só no momento inicial não resolve o problema”.

De acordo com um estudo da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, 68% dos docentes doutorados em universidades públicas portuguesas obtiveram o seu grau na mesma instituição onde lecionam. O fenómeno é particularmente visível em universidades mais antigas e nas situadas em regiões geograficamente isoladas. Orlanda Tavares vê a proposta do Governo como “um primeiro passo”, destacando que “é sempre um sinal que se passa às instituições de ensino superior de que se trata de uma prática a evitar, o que, paulatinamente, poderá vir a influenciar as culturas institucionais”.

No cenário internacional, países como a Alemanha e a Suíça já adotaram medidas semelhantes, impedindo que os doutorados sejam contratados ou promovidos na mesma instituição. Em Portugal, embora a proposta do Governo possa ser vista por alguns como um sinal positivo, especialistas alertam para a necessidade de medidas adicionais, como incentivos ao recrutamento externo e mecanismos que penalizem práticas endogâmicas nos processos de avaliação institucional.

Trata-se de um tema em desenvolvimento na ET AL., que contactará investigadores e docentes da UMa.

Luís Eduardo Nicolau
Com Carlos Diogo Pereira
ET AL.
Com fotografia de Yaroslav Talyzin.

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