A emissão desta quarta-feira do PEÇO A PALAVRA conversou com Rui Couceiro, antigo editor responsável pela Contraponto, do Grupo Bertrand, além de autor de dois romances, o mais recente MORRO DA PENA VENTOSA, publicado no verão de 2024 e BAIÔA SEM DATA PARA MORRER, de 2022, que foi vencedor do Prémio Literário Manuel de Boaventura 2023 e finalista do Prémio PEN Club de Narrativa 2023. A Contraponto, que começa em 2016, tem, na atualidade, se destacado também pela publicação de grandes biografias como FORTUNA, CASO, TEMPO E SORTE – BIOGRAFIA DE LUÍS VAZ DE CAMÕES e A DESOBEDIENTE – BIOGRAFIA DE MARIA TERESA HORTA. O reconhecimento da qualidade da biografia da Camões ultrapassou fronteiras: a Harvard University Press adquiriu os direitos para publicação em inglês, marcando um feito notável para a literatura portuguesa contemporânea. Em março deste ano, Rui Couceiro anunciou a muito aguardada biografia do madeirense Herberto Hélder, intitulada SE EU QUISESSE, ENLOUQUECIA, a ser publicada no final de maio. A nossa conversa acontece nos estúdios da TSF, no final de março, dada a visita do autor e editor à 51.ª edição da Feira do Livro do Funchal.
Rui Couceiro, nascido no Porto em 1984, é licenciado em Comunicação Social e com formação avançada em Ciências da Comunicação e Estudos Culturais, começou por exercer jornalismo antes de se fixar no mundo editorial, onde tem desempenhado um papel de destaque desde 2006. Em abril, anunciou a saída como editor e responsável pela chancela Contraponto, do grupo Bertrand Círculo para se dedicar à escrita e a outros projetos: “vida é uma coisa tão ínfima e o tempo está sempre tão em perda, que não faz sentido, sobretudo não sendo crente, continuar a viver como se fosse imortal e tivesse tempo para tudo”.
O programa centra a sua conversa no mercado editorial português que registou, em 2024, um crescimento assinalável, com as vendas de livros a aumentar 9% em valor, totalizando cerca de 14 milhões de exemplares vendidos. Segundo dados da APEL, esta evolução positiva foi particularmente impulsionada pela ficção, que cresceu 13%, com destaque para a literatura (+12%), a ficção infantojuvenil (+15%) e a literatura importada (+20%). A não ficção registou também um crescimento, ainda que mais moderado, fixando-se nos 4%.
A adesão crescente dos leitores mais jovens tem sido um dos principais motores desta dinâmica, especialmente no segmento da ficção. De acordo com os editores, este fenómeno resulta de uma conjugação de esforços entre famílias, escolas, influenciadores digitais, autores, editores e instituições públicas. Apesar da tendência positiva, vários agentes do setor alertam para a necessidade de consolidar este hábito de leitura, para que não se esgote numa simples moda passageira.

O futuro da leitura em Portugal: sustentabilidade, inclusão e desafios digitais
O relatório do Book 2.0 explora o impacto dos livros em Portugal, abordando sustentabilidade, hábitos de leitura e os desafios da digitalização no setor editorial.

A Feira do Livro do Funchal sob o signo da juventude
“Jovens e a Língua Portuguesa” é o tema que a Câmara Municipal do Funchal escolheu para a 48.ª edição da Feira
Ao mesmo tempo, surgem preocupações quanto ao impacto da leitura noutras línguas, sobretudo em inglês, que tem vindo a ganhar expressão entre os leitores mais jovens. Segundo a APEL, embora a leitura em diferentes idiomas deva ser valorizada, é essencial preservar e fomentar a diversidade linguística e garantir a sustentabilidade do setor editorial nacional. Entre as propostas da associação está o reforço do Programa Cheque-Livro, passando de 20 para 100 euros, como medida para incentivar a leitura em português e apoiar as livrarias e editoras nacionais.
Apesar do crescimento do mercado editorial português, os hábitos de leitura em Portugal continuam a posicionar-se entre os mais baixos da Europa. Segundo dados citados pelo Expresso, Portugal é atualmente o segundo país europeu com menor índice de leitura, com mais de metade da população a admitir não ter lido um único livro no último ano. Em contraste, países como a Suécia, a Holanda ou a Alemanha registam níveis de leitura muito superiores, sustentados por uma cultura mais enraizada de acesso ao livro e de valorização do tempo dedicado à leitura. Esta diferença acentua a urgência de políticas públicas robustas que promovam o gosto pelos livros, em especial entre os mais jovens e os sectores com menor acesso à cultura. Mais do que números, está em causa a construção de uma sociedade mais crítica, criativa e informada.
Na entrevista que a TSF Madeira 100FM emite, Rui Couceiro participa com humor e honestidade em rubricas que cruzam a leveza da memória académica com os desafios quotidianos do mundo editorial e literário. Confrontado com dilemas típicos do ofício, admite com ironia que o mais penoso como editor talvez seja lidar com os pedidos incessantes de prorrogação de prazos ou ter de recusar manuscritos — decisões que exigem tanto sensibilidade como firmeza. Como autor, foi confrontado com embaraços reais e possíveis, como autografar livros com nomes errados ou ser confundido com outros escritores, mostrando que, mesmo com reconhecimento, o trabalho criativo está cheio de momentos insólitos e humanos. As perguntas foram lançadas num tom descontraído, mas revelaram o lado exigente de quem vive entre os textos, as vírgulas e os prazos por cumprir.
A conversa aprofunda-se em torno de estigmas e debates sobre o papel do editor, os critérios de qualidade literária e os desafios do mercado português. Rui Couceiro rebate a ideia de que os editores são “censores disfarçados”, sublinhando antes o compromisso em preservar e aperfeiçoar a voz do autor. Questionado sobre o equilíbrio entre o sucesso comercial e o valor literário, assume que esse é um dilema real, mas não necessariamente inconciliável. Ao longo da entrevista, reflete ainda sobre a influência da tecnologia, o impacto da crítica digital e as novas formas de leitura, reconhecendo as potencialidades desses meios, mas reafirmando o valor do livro impresso. Como leitor, editor e escritor, partilha a tensão criativa entre esses papéis — e confessa, por fim, que os elogios ao seu primeiro romance trouxeram um fardo de expectativa para o segundo, uma pressão que enfrentou com a mesma seriedade com que avalia manuscritos alheios.

“A História […] é também uma construção ideológica e social”
Do século XV, tempo do povoamento, ao final do século XX, época da conquista da liberdade democrática e da autonomia política, HISTÓRIA DA MADEIRA de Rui Carita surge em volume único procura cobrir os vários temas da história da Madeira e do Porto Santo.

A expansão do curso de Medicina não acontece como esperado
O PEÇO A PALAVRA, na antena da TSF e em podcast, em parceria com a ACADÉMICA DA MADEIRA, debateu a evolução
A entrevista com Rui Couceiro revelou não apenas os bastidores do trabalho editorial e autoral, mas também os dilemas e os desafios de um setor em transformação. Num país onde ainda se lê pouco em comparação com outras nações da Europa, torna-se evidente a importância de promover uma cultura literária mais sólida, que valorize tanto a criação como a mediação dos livros. O testemunho de Rui Couceiro no PEÇO A PALAVRA, equilibrando humor, exigência e paixão pela palavra escrita, é um convite a repensar o papel do livro no quotidiano — não apenas como produto, mas como espaço de reflexão, de identidade e de liberdade.
O PEÇO A PALAVRA é um espaço em que o Ensino Superior, a Ciência e a Tecnologia estão em debate, porque os estudantes pediram a palavra. O seu nome tem origem na intervenção que tornou célebre o jovem líder estudantil em Coimbra Alberto Martins e espoletou a Crise Académica de 69. Trata-se de uma produção da TSF Madeira 100FM com a Académica da Madeira, transmitida em direto, quinzenalmente às quartas-feiras, às 16:00, e disponível em podcast, nas principais plataformas do mercado. Na antena da rádio, o programa é repetido na quarta-feira seguinte.
Luís Eduardo Nicolau
Com Carlos Diogo Pereira
ET AL.
Com fotografia de Neusa Ayres.