“Quando os problemas não são problema, não é preciso resolvê-los”. A frase é do painel do PEÇO A PALAVRA que, na passada quarta-feira, na antena da TSF 100 FM Madeira e em podcast, emite a Grande Entrevista a Sílvio Fernandes, apresentando um retrato único sobre o seu pensamento em temas centrais da vida dos portugueses, além de passar em revista sobre várias áreas da atualidade do Ensino Superior, da Ciência e da Tecnologia. Houve espaço para reflexão sobre o Ensino Superior, mas perante os problemas apresentados, as respostas passaram por justificar que “nós tentamos”, “vamos ver o que podemos fazer diferente”, “isto tem que ser atualizado”, “temos que ver esta questão” e “vamos analisar”.
A entrevista começa com um questionário composto por 29 perguntas sobre temas centrais da vida política, económica e social, que pretendeu traçar o perfil ideológico que mais se aproxima do pensamento do reitor da Universidade da Madeira (UMa). Ao abordar assuntos tão variados como impostos sobre as empresas, a regulação da Inteligência Artificial, a imigração, o setor da saúde, a defesa nacional, os direitos sociais e as reformas laborais, o exercício permite, de forma subtil, identificar qual a força política cujas propostas e valores mais ecoam nas respostas do próprio reitor. Mais do que um simples levantamento de opinião, este conjunto de questões desenha o mapa de preferências e prioridades que definem a visão política do líder académico. Será uma surpresa descobrir qual o posicionamento partidário das opiniões de Sílvio Fernandes sobre os temas centrais do quotidiano dos portugueses?
Os desafios globais estão na agenda do programa com as universidades, em nações como os Estados Unidos, a perder a confiança do cidadão. Os números do Instituto Gallup indicam que, desde 2015, a percentagem de americanos que apresentam grande confiança nas universidades tem caído. Entre 2015 e 2024, o número baixou de 57 para apenas 36% dos americanos inquiridos a ter grande confiança nas universidades. O fenómeno de crise das Universidades não está circunscrito àquela parte da América do Norte. No Reino Unido, o centro de estudos do YouGov indica que mais de metade dos britânicos inquiridos (52%) afirmam que o seu investimento em educação e os rendimentos obtidos não compensaram e mais de um em três (38%) britânicos pensa que “estamos a enviar pessoas em excesso para as universidades”. José Sílvio Fernandes considera que o “o processo económico financeiro não acompanhou o processo educativo” e “criou-se a expetativa (…) de que a aquisição de um grau académico corresponderia a um determinado valor no mercado de trabalho (…) aconteceu a nível mundial que o trabalho foi desvalorizado com os tempos modernos e a grande massificação de diplomados no mercado de trabalho”. Segundo o reitor da Universidade da Madeira, ainda assim, é notório que a aquisição de competências no Ensino Superior, através de um curso profissional ou de uma licenciatura, representa um passo desejado para a generalidade dos portugueses, que beneficiam de um sistema de educação com valores distintos das realidades dessas duas nações, sendo que o endividamento das famílias nesses países poderá representar a perceção negativa que os estudos referidos evidenciam.

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A qualificação dos cidadãos foi um dos temas destacados, sublinhando que “é sempre melhor ter um cidadão qualificado, seja em que trabalho for, do que um cidadão sem qualificação alguma”. O debate em torno do custo do ensino superior não ficou de parte, com referência ao exemplo de países como os Estados Unidos ou Inglaterra, onde as propinas elevadas são vistas como sinal de descrédito do sistema, “pois correspondem a um sacrifício das famílias que se junta ao investimento pessoal do estudante”. No entanto, foi também deixada uma nota de esperança e realismo sobre o percurso académico, lembrando de que “é preciso dizer às pessoas e aos alunos que durante a vida há imensas oportunidades e que a formação não se esgota na vida universitária”.
O painel do programa instigou o ouvinte a não analisar apenas os índices de emprego, mas sim os dados efetivos — ainda raramente disponíveis em Portugal — que permitam aferir se a Universidade da Madeira possui informação concreta sobre a taxa de empregabilidade dos seus graduados nas áreas em que se formaram. No entanto, mais importante do que saber se os diplomados estão ou não a trabalhar na sua área de estudo é perceber, segundo o painel, se estão efetivamente satisfeitos com o seu percurso profissional. De acordo com o reitor Sílvio Fernandes, os inquéritos existentes “raramente” avaliam o grau de satisfação, limitando-se, na maioria das vezes, a medir apenas a empregabilidade. Para o reitor, seria fundamental “ter uma visão mais alargada do que é ter um emprego”.
Sobre as taxas de doutoramento, a UMa diz que aguardou por uma decisão governamental, mas a lei coloca a responsabilidade pela decisão na Universidade que, segundo Sílvio Fernandes, não pretende, para já, abdicar da taxa de 500 euros que é cobrada aos estudantes de doutoramento pela entrega da tese. Esta posição tem sido alvo de críticas, num momento em que se multiplicam apelos à eliminação de encargos adicionais no percurso académico dos doutorandos. Em várias universidades do país, estudantes e Associações Académicas têm contestado a manutenção desta taxa, considerando-a um entrave injustificado à conclusão dos ciclos de estudos avançados. A oposição a esta cobrança reflete uma exigência crescente de que as instituições de ensino superior assumam um compromisso mais claro com a acessibilidade e a promoção da ciência, sem a imposição de barreiras financeiras na reta final dos doutoramentos. A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) tem criticado estas cobranças, argumentando que representam um obstáculo financeiro à conclusão dos doutoramentos e apelando à sua eliminação. Outro aspeto que é reclamado pelos estudantes de doutoramento na UMa é o acesso ao Fundo de Emergência, situação que o reitor “não coloca de parte”, mas também não se compromete.

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As dificuldades sentidas pelos representantes dos estudantes nalguns órgãos colegiais, apontando como recorrente em várias situações, constituíram outro dos temas abordados na entrevista a Sílvio Fernandes. De acordo com o estudante Tiago Caldeira Alves, tais constrangimentos ficaram evidenciados no recente funcionamento do Conselho Pedagógico Universitário, quando, numa reunião, foram entregues mais de uma centena de páginas de documentação para análise, com apenas 48 horas de antecedência. Tratando-se de matérias que exigiam uma reflexão mais aprofundada e a auscultação dos próprios estudantes, este procedimento foi considerado inadequado e ilustrativo das limitações que comprometem uma participação verdadeiramente informada e ativa. Confrontado com os problemas, o reitor da UMa diz que “nós tentamos”, reconhecendo que há necessidade de “ver o que podemos fazer de diferente”.
Os estudantes, através dos resultados preliminares de um estudo promovido pelo Observatório da Vida Estudantil, indicam que a proximidade e sobreposição de avaliações é um dos pontos que maior preocupação desperta. O Conselho Pedagógico, diz Sílvio Fernandes, “pode controlar esta concentração”. Os fenómenos do abandono e da desistência escolar na UMa possuem uma média geral que é próxima das das outras universidades, num processo em que todos se comprometem num programa de mitigação destes comportamentos, para promoção do sucesso académico. O programa, financiado pelo Estado português, “ainda não possui dados conclusivos” e Sílvio Fernandes pretende chegar ao final dele para comparar os resultados com os dados anteriores.
A conversa com Sílvio Fernandes traçou um retrato da universidade e do país que a envolve. Entre a preocupação com a qualidade da formação, a reflexão sobre os limites dos indicadores de empregabilidade e o custo crescente da educação, o reitor defendeu uma ideia de um ensino superior que vai além dos números e dos rankings. Num tempo em que tantas certezas se parecem desfazer, a sua visão apela a um debate sobre o papel das universidades: não apenas formar profissionais, mas criar cidadãos capazes de pensar e de construir um futuro mais justo e mais aberto.
O PEÇO A PALAVRA é um espaço em que o Ensino Superior, a Ciência e a Tecnologia estão em debate, porque os estudantes pediram a palavra. O seu nome tem origem na intervenção que tornou célebre o jovem líder estudantil em Coimbra Alberto Martins e espoletou a Crise Académica de 69. Trata-se de uma produção da TSF Madeira 100FM com a Académica da Madeira, transmitida em direto, quinzenalmente às quartas-feiras, às 16:00, e disponível em podcast, nas principais plataformas do mercado. Na antena da rádio, o programa é repetido na quarta-feira seguinte.
Luís Eduardo Nicolau
Com Carlos Diogo Pereira
ET AL.
Com fotografia de Henrique Santos.