Nesta entrevista, Cristina Carvalho partilha as raízes da sua paixão pelos livros e pela educação, revelando o percurso que a levou a escrever sobre o Padre Martins Júnior. Com uma linguagem acessível e inspiradora, destaca a importância de transmitir valores e memórias às novas gerações.
Dê a conhecer aos nossos leitores um pouco sobre quem é a Cristina Carvalho.
Nasci, na vila de Machico, no século passado. Sou descendente de professores, e cresci numa casa com várias estantes de livros com lombadas coloridas. Mesmo antes de saber ler, debrucei-me nas letras e lia histórias não escritas. Sou da geração assídua das bibliotecas da Gulbenkian, em que algumas prateleiras me eram interditas. Todavia, aproveitava a distração da simpática D. Carolina e esgueirava-me sobre os títulos proibidos. Nos meus diários, assentei desabafos de uma criança adolescente, trancados com uma pequena chave de metal. Leio mais do que escrevo, mas leio menos do que gostaria.
Os documentos não escritos fizeram parte da minha vida, na altura que pendi para a arqueologia. O meu percurso académico passou pelo curso de Direito. Porém, findei na área da biblioteconomia, em Ciências Documentais.
Defendo a educação para a leitura e incentivo os que me rodeiam a descobrirem o prazer de ler, porque os livros são janelas para o mundo, principalmente em dias de chuva.
O que a motivou a escrever esta obra? Como surgiu este desafio?
Há histórias que ficam na memória. E não são só aquelas narradas em livros. São também as histórias que contaram os meus avós. Entre uma panóplia de narrativas, as vivências do Pe. Martins sobressaíam. Contaram-me da missa nova, dos saraus, da ida para a guerra e da viola sempre ao ombro. Aonde ia, levava a música consigo, e com ela superou dificuldades e construiu sonhos. E eu quis recontar. Motivei-me em descrever o seu legado de maneira positiva e inspiradora, com vista a despertar a curiosidade e o interesse do leitor, tal como me despertou. Esta abordagem, com o intuito de educar, empodera os mais novos, incentivando-os a serem impulsionadores sociais e culturais.
Escrever sobre o Padre Martins Júnior para um público infantojuvenil deve ter sido um desafio acrescido. Teve alguma preocupação especial em passar a mensagem?
Todos os capítulos da vida do padre abordam temas complexos. Ao recontar estas passagens a um público infantojuvenil, deparei-me com alguns desafios. De forma a não sobrecarregar o texto com informações excessivas, optei por uma narrativa cativante que venha a estimular a imaginação. Conjugar a mensagem humanista de um idealista, músico, poeta, mentor, animador social, líder religioso e promotor cultural com o desafio acrescido pela seleção de palavras adequadas a esta faixa etária foi uma tarefa árdua.
Já conhecia o Padre Martins Júnior? O que ele achou do livro?
Julgo que todos os machiquenses da minha geração conhecem o distinto Pe. Martins Júnior. Um senhor que marca presença por onde passa e impressiona com o seu dom da palavra e sentido de humor. Conheço-o de convívios e é costume cruzarmo-nos em eventos culturais. O padre é uma pessoa pouco efusiva quando é homenageado e fica tímido quando os elogios lhe são dirigidos. Interrompi-lhe um ensaio de bandolim quando lhe contei do projeto que tinha em mãos. Limitou-se a encostar as costas ao sofá e disse: “Eh, pá, sobre mim? Já não tenho idade para isso!”. E agradeceu com tranquilidade.
Entrevista conduzida por Timóteo Ferreira.