Portugal está na cauda da Europa no investimento em ciência, registando o 5.º menor financiamento nesta área em percentagem do Orçamento do Estado entre os 27 países da União. Em oposição, os jovens continuam a chegar ao topo das qualificações e o número de doutorados em Portugal cresceu 73% e ultrapassou os 43 mil. A carreira de investigador continua a ser muito difícil e o futuro da ciência pode estar comprometido com o fraco crescimento que tem experimentado, quando comparado com outras nações.
O episódio do PEÇO A PALAVRA desta quarta-feira trata de um imperativo de Portugal, uma questão da própria soberania nacional, como definiu o antigo Secretário de Estado do Ensino Superior, João Filipe Queiró. No quadro do Ensino Superior, o investimento em investigação e desenvolvimento, com o caso particular de uma das franjas do setor que mais é penalizada pelos baixos níveis de financiamento. Se ser investigador é muito difícil em Portugal, o binómio jovem e investigador é ainda pior. Portugal é um dos países europeus com menor aposta em ciência, a situação tem piorado, em contraciclo com as principais nações do continente. No oposto, o número de jovens doutorados não para de aumentar e a combinação do investimento pessoal com o financiamento estatal, que poderia ser um motor nacional, acaba por ser um entrave na promoção do país enquanto polo de desenvolvimento europeu e destino de atração do que melhor se faz no mundo. Porque é urgente alertar a sociedade para o facto do país estar comprometido com estas políticas, os jovens pediram a palavra.
No painel do PEÇO A PALAVRA, para falar das suas experiências enquanto jovens investigadores estará Diogo Nuno Freitas e Bruno Costa. Ricardo Miguel Oliveira, jornalista e diretor geral editorial do DIÁRIO, estará acompanhado de Ismael Da Gama e Gonçalo Nuno Martins, parte do painel fixo do programa, membros da unidade de Política do Ensino Superior na ACADÉMICA DA MADEIRA. Diogo Nuno Freitas é estudante de doutoramento em Engenharia Informática na Universidade da Madeira e bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, colaborando com o Laboratório de Robótica e Sistemas de Engenharia e com o NOVA LINCS. Bruno Costa é estudante de doutoramento em Ilhas Atlânticas: História, Património e Quadro Jurídico-Institucional pela Universidade da Madeira e Técnico Superior no Centro de Estudos de História do Atlântico – Alberto Vieira.
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Dados provisórios, reportando ao período 2012-2023, divulgados pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência indicam que, em uma década, o número de doutorados residentes em Portugal aumentou 73%, chegando aos 43.173. O resultado, segundo apontam estudiosos como o sociólogo João Teixeira Lopes, é um caminho natural, de maior qualificação dos jovens num cenário de crescente competição nacional e global. Existe, ainda por parte do mercado, um aumento da procura de profissionais com qualificações de topo em áreas como das ciências da vida, da medicina, das ciências farmacêuticas ou das neurociências.
Há quase dois anos, o Diretor do Centro de Química da Madeira questionava se “existirá falta de investimento na área da Ciência e Tecnologia em Portugal (até mesmo na Madeira)”, ao ser abordado sobre a falta de investimento que continua a existir em Portugal nesta área e sobre as perspetivas que um jovem aspirante à carreira de investigador poderia ter. Há poucos dias, foi tornado público que, em 2023, a fatia do Orçamento do Estado português para a investigação recuou a valores de 2014. Segundo dados do Eurostat, o Gabinete de Estatísticas da União Europeia, o país apresentou, no grupo dos 27 países, o quinto menor investimento nesta área em percentagem do orçamento estatal. Os valores apresentados para execução da despesa nacional relacionam-se apenas com a utilização de fundos nacionais, excluindo os fundos comunitários dos cálculos.
Foi notícia recente no PÚBLICO que, em 2023, o governo executou 0,71% das despesas totais do Estado em investigação e desenvolvimento, regressando aos valores do exercício de 2014, que se situam em 0,7% do total do orçamento. Ainda considerando a percentagem de despesa do Governo português, os maiores valores foram registados entre 2016 e 2019, antes da pandemia, situando-se sempre acima dos 0,82% da despesa do Estado. Para 2024, as informações da Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência apontam para nova queda, situando a despesa em ciência em 0,66% do Orçamento do Estado.
Quando são tratados os dados do grupo de 27 nações da União Europeia, Portugal vai para o final da tabela, apresentando o 5.º pior resultado, empatado com a Letónia e a Eslováquia. Abaixo dos valores executados por estes países ficaram somente a Roménia (0,31%), a Hungria (0,48%), a Bulgária (0,57%) e Malta (0,68%). Em contraposição à realidade nacional, a Alemanha, a Estónia e os Países Baixos apresentam um investimento executado em ciência que supera os 2% dos seus orçamentos estatais.
No conjunto da Europa, foi registado um aumento a rondar os 5% no grupo dos 27. Se em 2022 os países da União investiram 117 mil milhões de euros, em 2023 esse valor passou para 123 milhões de euros oriundos dos orçamentos nacionais. Note-se que, reportando as valores de 2014, os gastos eram de 80 mil milhões de euros, registando-se um crescimento de quase 50% no total da União Europeia. Em Portugal, o aumento foi inferior, situando-se em 27,3%. Em quase 10 anos, registou-se um aumento efetivo do Orçamento português para a ciência que, em 2014, foi de 630 milhões de euros, passando a 802 milhões de euros em 2023. Países como a Alemanha tiveram aumentos de 80%, passando de 25 mil milhões de euros, em 2014, para quase 45 mil milhões de euros em 2023.
Enquanto o número de doutorados tem aumentado em Portugal, a Universidade da Madeira tem registado um decréscimo de estudantes nos cursos de mestrado e de doutoramento. Em maio, quando o ministro da Educação, Ciência e Inovação visitou a Madeira, o Presidente da Direção da ACADÉMICA DA MADEIRA referiu que “em 2013-2014, a UMa tinha mais de 600 estudantes nos seus vários cursos de mestrado. Os dados de 2021-2022 revelavam que baixámos para cerca de 400 estudantes no 2.º ciclo. No mesmo período, em doutoramento, a UMa tinha, há dez anos, quase 100 estudantes e, em 2021-2022, registava um número inferior”.
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A associação que representa os bolseiros de investigação científica em Portugal tem alertado sobre “a precarização dos investigadores — com bolsa, contrato a termo ou outro vínculo pontual —, dos docentes — falsos convidados e outros vínculos —, dos gestores e comunicadores de ciência e dos técnicos de investigação”. Segundo a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), é urgente “a revogação do Estatuto de Bolseiro de Investigação e a celebração de contratos de trabalho para todos os bolseiros; e uma resposta orçamental que ponha fim ao subfinanciamento crónico das Instituições de Ensino Superior e de Ciência, muito importante para a integração dos docentes e investigadores precários nas respectivas carreiras”.
A precariedade poderá aumentar, alerta a ABIC, em 2024, e em 2025 piorará quando 3500 investigadores terminarão o seu contrato ao abrigo do Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto, que aprovou um regime de contratação de doutorados destinado a estimular o emprego científico e tecnológico em todas as áreas do conhecimento.
A contestação dos bolseiros de doutoramento também abrange a sua situação excecional, pois não são considerados trabalhadores, “sem férias pagas, sem subsídio de Natal nem de desemprego, e sem acesso digno à Segurança Social”, conforme refere a ABIC. Recentemente, face às notícias do governo para colmatar a falta de professores nas escolas públicas, a Associação opôs-se à alteração do Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI) para permitir a prestação de serviço docente do ensino obrigatório até ao máximo de 10 horas semanais. Em comunicado, a ABIC referiu que “cai por terra o argumento de que a investigação financiada através de uma bolsa tem de ser desenvolvida em regime de dedicação exclusiva, requisito a que os bolseiros estão sujeitos através do EBI”.
Situação “dramática” não assegura funcionamento normal da Ação Social
Ricardo Gonçalves, administrador dos SASUMa, foi entrevistado no PEÇO A PALAVRA. O tema foi o sistema de ação social direta e indireta do Estado português, num quadro de subfinanciamento que adjetivou como “dramático”.
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A redução da despesa pública no desenvolvimento e na investigação, o aumento das qualificações de topo dos jovens portugueses, os valores muito abaixo da média europeia de investimento em ciência e a precariedade do universo dos jovens investigadores em Portugal são temas do universo da emissão do PEÇO A PALAVRA.
O PEÇO A PALAVRA é um espaço em que o Ensino Superior, a Ciência e a Tecnologia estão em debate, porque os estudantes pediram a palavra. O seu nome tem origem na intervenção que tornou célebre o jovem líder estudantil em Coimbra Alberto Martins e espoletou a Crise Académica de 69. Trata-se de uma produção da TSF Madeira 100FM com a ACADÉMICA DA MADEIRA, transmitida em direto, quinzenalmente às quartas-feiras, às 16:00, e disponível em podcast, nas principais plataformas do mercado.
Luís Eduardo Nicolau
com Carlos Diogo Pereira
ET AL.
Com fotografia de Henrique Santos.