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O “Fado do Hilário” para assinalar o Dia Nacional do Estudante

Os FATUM, o grupo de fados da ACADÉMICA DA MADEIRA, apresentam um novo videoclipe com a canção "Fado Hilário", gravado em Bruxelas, para assinalar o Dia Nacional do Estudante. Augusto Hilário da Costa Alves (1864-1896) foi um dos mais conhecidos poetas e intérpretes de Coimbra, sendo da sua autoria o famoso "Fado Hilário", canção de Coimbra gravada até por Amália Rodrigues.
João Freitas, na guitarra de Coimbra, e Júlia Dória, na guitarra clássica, dos FATUM, em atuação na Blandy's Wine Lodge, em novembro de 2022.

Beirão de origem, Hilário (ou Hylario, como se escrevia na época) veio ao mundo numa fria madrugada de janeiro, na antiga Rua Nova em Viseu, que atualmente leva o seu nome. Perfilhado por António da Costa Alves e Ana de Jesus Mouta só aos 19 anos de idade, Hilário nasceu em bastardia de um enlace anterior ao casamento dos pais e foi “exposto na roda [dos órfãos] desta dita cidade [de Viseu] pelas cinco horas da manhã”.

Ensino Superior na lógica do Estado Novo

Na edição anterior, o “Academia”, sobre a origem do Dia Nacional do Estudante, referiu a natureza repressiva do Estado Novo no que toca aos estudantes universitários de então. Depois de abril, mês em que se comemora a Revolução dos Cravos de 1974, o JA aproveita para dissecar a evolução do

O famoso “Fado Hilário”, que integra o repertório dos FATUM, foi apresentado ontem, para assinalar o DIA NACIONAL DO ESTUDANTE. O videoclipe foi gravado em fevereiro, durante a deslocação dos FATUM a Bruxelas.

O poeta foi batizado como Lázaro Augusto, pelo pároco da Sé, mas com 13 anos, ao receber o crisma, mudou-o para Augusto Hilário.

Estudou no Liceu de Viseu para admissão à Faculdade de Filosofia, mas o tempo foi passando sem que concluísse a disciplina em questão. Mudou-se para o Liceu de Coimbra, com 22 anos, mas mais interessado na vida boémia, não revelou maior apetência para os estudos. Entretanto, começou a ganhar fama como cantor de fado e guitarrista e as suas obras começaram a ser popularizadas um pouco por todo o país, especialmente o Fado Hilário.

A minha capa velhinha
É da cor da noite escura,
Nela quero amortalhar-me,
Quando for p’ra sepultura.

Em 3 de outubro de 1891, obteve uma boa classificação no exame final do Liceu de Coimbra, matriculando-se no ano seguinte na Universidade. Em vez de Filosofia, torna-se aluno da Faculdade de Medicina. Lutando com a falta de dinheiro, ingressa como praça na Marinha Real, subsidiado pelo Estado.

A minha capa ondulante
Feita de negro tecido,
Não é capa de estudante
É mortalha de vencido.

Considerado rei da Alegria na Academia, cantou poemas próprios e de imortais da Literatura Portuguesa seus contemporâneos, como António Nobre, Teixeira de Pascoaes, Fausto Guedes Teixeira, João de Deus ou Guerra Junqueiro.

Sarau de Fados dos FATUM anuncia noite memorável em maio

Na próxima sexta-feira, dia 26 de maio, às 21:00, os FATUM, um conjunto de artistas da ACADÉMICA DA MADEIRA dedicados ao fado, irão realizar um espetáculo no Colégio dos Jesuítas do Funchal. Espera-se que o evento atraia uma grande audiência. Como é habitual, a entrada será gratuita.

A 3 de abril de 1896, durante as férias da Páscoa, pelas 22.00, na sua casa na Rua Nova em Viseu, Augusto Hilário, estudante do 3.º ano de Medicina, aspirante da Escola Naval, poeta e guitarrista, deu o seu último suspiro. Vítima de icterícia, contava com 32 anos de idade, dez dos quais vividos e dedicados à cidade dos estudantes, Coimbra – Alta e Sofia.

Eu quero que o meu caixão
Tenha uma forma bizarra,
A forma de um coração,
A forma de uma guitarra.

O Defensor do Povo, jornal republicado de Coimbra, publicou no seu n.º 98, de quinta-feira, 9 de abril de 1896:

“Cheio de vida, novo como era, ninguém esperava que tão repentinamente se desse um desenlace tão fatal […] que veio encher de luto os seus companheiros de trabalho, que o adoravam […] A notícia da sua morte espalhou-se rapidamente por Coimbra, e não houve ninguém que não deplorasse em lágrimas a perda de tão simpático moço. […] Tinha diante de si um futuro risonho e profícuo, mas a morte implacável como é, quis arrebatá-lo ao carinho dos seus […] e não consentiu que ele, depois de tantas privações, de tantas agruras […] visse coroadas d’êxito as suas esperanças! Infeliz Hilário!”

O relato do seu falecimento pela mesma publicação é quase poesia em prosa, ao gosto do século XIX:

“Hilário era robusto, mas há muito que padecia de moléstia no fígado./ Dias antes de morrer tinha estado no Rossio de Viseu conversando com alguns amigos/ – Sei que morro, disse Hilário a sua mãe pouco antes do terrível desenlace; mande chamar-me médico/ Duas horas depois, era cadáver!”

No velho do Colégio de São Jerónimo de Coimbra, no Museu Académico, entre outros pertences de Augusto Hilário, está a sua última guitarra e um sobrescrito com duas quadras, por si, manuscritas:

Já tenho mortalha nova
Para mais vos agradar
Ó vermes da minha cova
Ó virgens do meu altar.

Que faz além nas alturas
A lua a brilhar nos céus?
Espiona as criaturas
P’ra depois contar a Deus.

O primeiro registo fonográfico em território português?

O Fado Hilário é indicado como tendo sido gravado em 1895, no que poderia ter sido a primeira gravação que se conhece feita em Portugal. Nela, pensava-se, que se ouvia a voz do próprio Augusto Hilário, registada num cilíndro de cera por um fonógrafo Edison, no Teatro Nacional de Dona Maria II, durante uma homenagem a João de Deus, presidida pelo rei D. Carlos, ninguém sabe bem como.

A peça original encontra-se no Centro Fonográfico Nacional Bolivariano Venezuelano, como parte do espólio de Fernandez Hilário, emigrante madeirense na Venezuela, porém esta foi digitalizada e remastizada. Uma cópia da nova versão foi oferecida por Miguel Ângelo Hilário, primo de Fernandez, ao Museu do Falso, em Viseu, e que está disponível na internet.

Por que razão foi doada ao “Museu do Falso”? Simples: Miguel Ângelo terá notado que a peça não seria tão antiga, pois terminado o fado, o cantor resolveu registar na mesma gravação o hino do Sport Lisboa e Benfica, que só foi feito em 1953, por Paulino Gomes Júnior.

Fora dos Museus, o Fado Hilário, ou Fado do Hilário, continua a marcar a Canção de Coimbra, tendo a sua própria versão gravada por Amália Rodrigues, com um poema distinto do original.

A gravação mais conhecida (de 1927/28) foi realizada por um outro beirão, este de Fornos de Algodres, chamado António Menano (1895-1969), cuja voz gritada e emotiva só seria ombreada pela de Edmundo de Bettencourt.

Em 2000, em memória de Augusto Hilário, na rotunda do Sátão em Viseu, ergueu-se um conjunto escultórico formado por duas pedras de granito ariz em silhueta humana que sustentam dois xailes e duas guitarras escorrer, ao gosto surrealista dos relógios de Salvador Dalí – Fado Hilário, de Xico Lucena.

Marcando a sua homenagem a este imortal de Coimbra, os FATUM realizaram a gravação de um videoclipe do Fado Hilário durante a sua estadia em Bruxelas, em fevereiro de 2023.

A interpretação ficou a cargo de Carlos Diogo Pereira (voz), Diogo Freitas (guitarra clássica) e de um dos mais jovens membros do grupo, Gonçalo Direito (guitarra de Coimbra).

Carlos Diogo Pereira
ET AL.
Com fotografia de Pedro Pessoa.

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