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A liberdade académica, definição e preocupações

Nos últimos anos, a política israelita de restrição dos movimentos tem provocado destruição e medo na comunidade académica local. Numa atualidade, em que os ataques a instituições de ensino são quase que diariamente provocados por indivíduos em estados emocionais debilitantes, há uma outra parte do mundo que enfrenta as mesmas ofensivas, mas às mãos do próprio Estado. Em outras palavras, os estudantes escondem-se desse controlo militar israelita, para que o seu percurso académico e pessoal não seja deflagrado prematuramente.

Reproduzimos aqui, com autorização da Direção da Ensino Superior Revista do SNESup, sob pedido da ET AL., a primeira parte de um artigo publicado no seu número 76 a respeito desse dilema.

Em Dezembro de 2021, cinco estudantes que eram membros do conselho de estudantes da Universidade de Birzeit, foram raptados pelas forças da ocupação israelita, depois de atingidos por balas na sequência dum ataque ao interior do campus da universidade. O rapto causou o encerramento da universidade por quarenta dias consecutivos. Este acto bárbaro é só um episódio de uma muito longa série de violações israelitas contra as instituições académicas na Palestina, especialmente contra a Universidade de Birzeit, a primeira universidade palestiniana, portadora da tocha da liberdade e líder na luta contra a opressão do pensamento e da liberdade académica.

Ao redigir a minha intervenção, hesitei bastante em introduzir uma definição para a liberdade académica, porque isso seria simplista e elementar perante os meus camaradas. Mas quanto mais reflicto sobre a noção da liberdade académica, comparando-a com o contexto da liberdade académica na Palestina, mais me vejo obrigado a redefinir a “liberdade académica na Palestina”, à luz do contexto em que vivem as universidades e os universitários palestinianos que esperam ter as mesmas preocupações que os seus homólogos no mundo.

O povo palestiniano vive um contexto único, extremamente complexo e muito diferente dos outros países da região árabe. O nosso povo ainda não obteve a sua independência relativamente à ocupação israelita e ainda não tem soberania sobre os seus territórios. Os seus estabelecimentos universitários vivem sob ocupação plena, sujeitos a políticas repressivas e agressivas e a violações graves dos direitos individuais e colectivos do Homem e do povo, entre os quais, os cercos e o controlo nas pontes e nas fronteiras, o assassinato, as prisões e a invasão das cidades e de estabelecimentos académicos e universitários e a violação sistemática dos campi, assim como uma longa lista de violações dos direitos do homem com actos qualificados como crimes de guerra e mesmo crimes contra a humanidade.

Segundo o pensamento de Humboldt do início do século XIX, a liberdade académica significa: a liberdade de aprender e de ensinar, a liberdade académica dá aos professores e aos meios académicos uma segurança e direitos específicos, graças aos seus esforços para seguir os conhecimentos e as realidades, a liberdade académica é incondicional.

E quanto mais este direito parece simples e natural, incontestável, tanto mais ele se afigura aos olhos dos académicos palestinianos como uma burguesia e um sonho demasiado ambicioso, que nem sequer ousam esperar. Segundo esta definição, um professor ou um estudante universitário deve gozar livremente de um campus protegido, ver reconhecido e respeitado o seu estatuto na sociedade, e dispor de uma identidade que garanta protecção ao seu título de universitário. Os professores e os estudantes universitários não são, e não é suposto serem vistos ou considerados como elementos de ameaça política ou como um perigo sociopolítico.

Infelizmente, nas universidades palestinianas estamos longe deste estado. Ser universitário na Palestina é um combate, é um sofrimento e é sobretudo um desafio identitário. Um desafio identitário, não no sentido metafórico, mas no sentido real da palavra. Os estudantes e os professores palestinianos, nomeadamente os de Birzeit, devem esconder a sua identidade académica à passagem por postos de controlo israelitas ou para evitar os ataques e as detenções nocturnas.

Saïd Khalil
Universidade de Birzeit, Palestina
Tradução de Maria Teresa Nascimento
Universidade da Madeira
Com fotografia de Ash Hayes.

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