A distribuição das vagas para a formação médica especializada em Portugal é um processo estratégico que pretende responder às necessidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e assegurar uma formação de qualidade. Este processo começa com a avaliação das necessidades de médicos especialistas, realizada pelo Ministério da Saúde em colaboração com as Administrações Regionais de Saúde (ARS) e as instituições hospitalares. Os Colégios de Especialidade da Ordem dos Médicos desempenham um papel importante, emitindo pareceres técnicos sobre a capacidade formativa dos serviços e a adequação dos programas de formação. Com base nesta informação, é elaborado um mapa anual de vagas, que determina o número de posições disponíveis por especialidade e instituição.
A escolha das vagas pelos médicos é feita com base na classificação obtida na Prova Nacional de Acesso (PNA), em um processo coordenado pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Este método pretende equilibrar a oferta de especialistas com as necessidades regionais e nacionais, considerando também as capacidades de formação de cada instituição. Apesar do objetivo de uma distribuição eficiente, o processo enfrenta desafios, como a escassez de vagas em especialidades de maior procura e a dificuldade de atrair profissionais para áreas menos urbanas, questões que continuam a ser alvo de debate e ajustes anuais.
Em 2023, o Expresso noticiava que, desde 1996, “perdeu-se a possibilidade de formar 5871 especialistas, entre os quais 1405 internistas, 405 cirurgiões gerais, 333 ortopedistas, 313 psiquiatras, 215 cardiologistas, 178 oftalmologistas e 160 anestesistas”, segundo a Ordem dos Médicos.
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Em 2024, Portugal registou o maior número de vagas de sempre para a formação médica especializada, totalizando 2.242 posições, um aumento de 188 vagas em relação ao ano anterior. A especialidade de Medicina Geral e Familiar destacou-se com 617 vagas, representando um aumento de 43 posições (8%) face a 2023, refletindo, segundo o governo, o compromisso de alargar o número de cidadãos com equipa de família.
Além disso, especialidades como Pediatria (110 vagas), Anestesiologia (98 vagas) e Ginecologia/Obstetrícia (67 vagas) atingiram números inéditos. Pela primeira vez, segundo o governo, o mapa de vagas foi desenhado para reforçar a capacidade formativa de hospitais em zonas de baixa densidade populacional, através de colaborações com outras unidades hospitalares, no âmbito do programa “Mais Médicos”. Este esforço conjunto envolveu a ACSS, a Ordem dos Médicos e o Conselho Nacional do Internato Médico, com propósito de alinhar a formação de especialistas com as necessidades do país.
A existência de vagas não preenchidas na formação médica especializada em Portugal é reflexo de desafios estruturais e percepções negativas sobre algumas especialidades e regiões. Áreas como a Medicina Geral e Familiar, a Saúde Pública e a Medicina Interna enfrentam menor procura por parte dos jovens médicos, muitas vezes devido à perceção de condições de trabalho menos atrativas e remunerações insuficientes. Em 2023, 18% das vagas ficaram por ocupar, totalizando 406 lugares, com estas especialidades a liderar a lista. A falta de incentivos adequados para atrair profissionais para estas áreas pode ser um fator importante, especialmente num contexto em que o SNS enfrenta dificuldades para fixar médicos em locais menos urbanizados.
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É justamente a distribuição geográfica das vagas, que frequentemente privilegia regiões de menor densidade populacional, uma das razões que dificultam a fixação de médicos. Fatores como o isolamento profissional, recursos limitados e menor apoio logístico tornam estas localidades menos atrativas, mesmo com esforços de programas como o “Mais Médicos”. Além disso, o alinhamento entre o número de vagas oferecidas e as preferências dos candidatos ainda carece de maior planejamento estratégico. Para reverter esta tendência, os médicos entendem que é necessário reforçar as condições de trabalho, oferecer incentivos financeiros e não financeiros mais atrativos e implementar políticas que promovam a fixação em regiões menos procuradas, assegurando a equidade no acesso a cuidados de saúde.
Este artigo faz parte de um conjunto de notícias que assinala a semana em que milhares de médicos realizaram a PNA.
Luís Eduardo Nicolau
Com Carlos Diogo Pereira.
ET AL.
Com fotografia de SJ Objio.