O estado do Conselho. E da sociedade.

O estado do Conselho. E da sociedade.

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Em tempos, fui desafiada para vos escrever em torno do facto de o Conselho de Estado ter dezasseis homens e três mulheres. Entre estes dados, estavam outras questões como a idade dos seus membros ou a falta de diversidade étnica.

Para contextualizar, importa lembrar que o Conselho de Estado é o órgão político de consulta do Presidente da República, a quem compete pronunciar-se sobre um conjunto de atos da responsabilidade do Chefe do Estado ou relativamente a qualquer outro assunto, desde que assim seja solicitado.

Quem o compõe? O Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, o Presidente do Tribunal Constitucional, o Provedor de Justiça, os presidentes dos governos regionais, antigos presidentes da República eleitos na vigência da Constituição (que não hajam sido destituídos do cargo), cinco cidadãos designados pelo Presidente da República e outros cinco eleitos pelo Parlamento Nacional.

Ora, reuniu-se, assim, um grupo cuja idade média é de setenta e dois anos, onde apenas existem três mulheres e em que sobressaem, de entre as profissões de cada um, a comum a onze membros – juristas.

As análises a este panorama podem ser distintas. Há quem se foque na diferença entre a presença de homens e de mulheres, na diversidade étnica, na opção sexual. Eu preferia focar-me, apenas e só, na competência. Aliás, esmiuçar um órgão desta índole jamais pode reduzir-se a tentações de caráter ideológico. E antes que se pense que eu não sou a favor da igualdade, assumo, desde já, que penso que é ela a chave para a resolução de diversos preconceitos e problemas que afetam a nossa sociedade. E, se quiserem, que espelham o estado do Conselho. Ou do país.

É um facto que as mulheres representam, por exemplo, menos de um terço dos cargos mais altos das empresas; que há setores, como a construção, a energia e as TIC, em que há maiores desigualdades. Todos sabemos que elas são menos nas assembleias e nos parlamentos. Que as estatísticas dizem que ganham, em geral, menos 220 euros por mês do que os homens. É tudo verdade. Mas nem tudo está mau.

A título ilustrativo, em 2021, Portugal era o sétimo país da União Europeia com maior peso das mulheres nas assembleias legislativas, com 40,9%, sendo que apenas a Suécia e a Finlândia tinham mais de 45%. Era, também Portugal, o nono país da União com mais mulheres a trabalhar e em que haviam mais bebés de mães que trabalham e que haviam concluído o ensino superior. Já não estamos no início do caminho. Mas ainda falta muito a fazer. Tal como falta para essa alegada representatividade étnica ou, se quiserem (porque eu não gosto de analisar por esse prisma), para a tal maior diversidade de opções sexuais. Quotas, como houve para as mulheres? Não. Foram importantes para criar maior sensibilidade e atenção para as nossas capacidades, mas não são a solução eterna para todos os problemas.

O facto de ainda termos a representatividade que temos em órgãos como o Conselho de Estado diz respeito a cânones que todos nós continuamos a eternizar.

Sinceramente, não quero saber quais são as opções sexuais ou em que cama se deitam as pessoas que nos representam, ou sequer se elas são ciganas ou outra coisa qualquer. A sério, “deslarguem-me” – desculpem a expressão – dessas guerras. Desconstruam esses preconceitos que só se aprofundam com tanta pormenorização. Precisamos que a igualdade seja assumida como missão global. Que todos tenhamos sensibilidade para apreciar e reconhecer as capacidades do outro – independentemente da orientação sexual, da forma como se vestem, do género, da maneira como e onde se expressam.

Já o escrevi em 2020, que precisamos, todos, de saber estar no lugar do outro, de fazer entender o amor e a aceitação como responsabilidade de todos nós e que, para trabalhar, onde quer que seja, apenas importa a competência. O estado do Conselho é, à parte da responsabilidade e competência de cada um, espelho das guerrinhas que muitos querem fazer perdurar. Só que a igualdade nunca terá donos. Ela tem de ser de todos e para todos. E só no dia em que homens e mulheres se unirem, no dia em que mulheres apoiarem verdadeiramente mulheres, no dia em que ser da comunidade LGBTQIA+ for indiferente… nesse dia, o mundo será um lugar melhor. Um lugar especial. Um lugar onde só fica o que importa. E, talvez nesse dia, quem faz parte do Conselho já não importará para análise estatística. Ainda estamos a meio do caminho.

Vera Duarte
Alumnus da UMa
Com fotografia de Womanizer Toys.

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