Um modelo de financiamento longe do necessário

Mensalmente, a ACADÉMICA DA MADEIRA tem um espaço de opinião no JM Madeira. Ricardo Freitas Bonifácio, Presidente da Direção da ACADÉMICA DA MADEIRA, escreve este mês sobre o modelo de financiamento para o ensino superior, apresentado este verão pela tutela.

Nos últimos anos, Portugal tem testemunhado mudanças significativas, com grandes avanços no setor do ensino superior. Em 2023, destaca-se a prometida e adiada reformulação do modelo de financiamento, que não deve refletir apenas a necessidade de adaptação a um cenário económico, em constante evolução, mas a procura em garantir a sustentabilidade e a excelência das instituições, num mundo cada vez mais globalizado e competitivo. É evidente que uma reflexão informada e uma discussão participativa e construtiva são essenciais para o desenvolvimento contínuo do sistema educativo do país. O documento do ministério, que propõe a revisão do modelo de financiamento, não atinge esses propósitos.

O destaque da proposta é a intenção de criação de Contratos-Programa de Desenvolvimento, com financiamento tripartido, cuja a contratualização “avançará em 2023 com dois projetos-piloto” para a Madeira e os Açores . A tutela pretende que os governos regionais, as CCDR, as autarquias e as entidades privadas sejam chamados a contribuir monetariamente, em adição à dotação do Orçamento do Estado. A proposta, que o secretário de Estado do Ensino Superior quer “agora discutir”, não teve qualquer auscultação prévia e, consequentemente, contributo dos que são chamados a financiar. O Estado compromete-se a pagar ⅓ do valor total do contrato, caso os ⅔ remanescentes sejam financiados pelos restantes contraentes.

Várias instituições recebem financiamento, direto e indireto, de autarquias e privados. Nas regiões insulares, os governos regionais têm assumido um papel ativo, através da contratualização de fundos monetários, da alocação de recursos humanos e da cedência de infraestruturas. É importante entender como os apoios em curso serão contabilizados nos contratos propostos. O envolvimento de todos que são chamados a contribuir, informados indiretamente no verão, não garante a discussão e ponderação com a importância necessária. A participação do movimento estudantil continua refém de promessas não concretizadas, como ficou patente no meu encontro com o secretário, em junho passado.

Mais de um milhão de euros em bolsas atribuídas no atual ano letivo

Dados dos Serviços de Ação Social da Universidade da Madeira indicam que, em fevereiro de 2024, o valor acumulado de apoios distribuídos através de bolsas de estudo da Direção-geral do Ensino Superior foi de 1.198.015,07 euros. Há outros apoios disponíveis que somam centenas de milhares de euros.

No modelo, é indicado um contrato de legislatura para 2024-2027, com a “progressiva introdução de indicadores de desempenho e promoção de diferenciação estratégica”. É reconhecida a importância em introduzir estes ponderadores, que serão definidos, monitorizados e recolhidos até 2027. Apesar da tutela referir uma “experiência muito positiva dos contratos anteriores”, esquece todas as evidências de não cumprimento que as instituições e o movimento associativo referiram nos últimos anos ou o Tribunal de Contas (TC). Em 2020, o TC entendeu que o governo não cumpriu a Lei de Bases de Financiamento do Ensino Superior, colocando os contratos em causa ao não definir “critérios objectivos de qualidade e de excelência”, ignorando a fórmula fixada.

Para 2024, foi anunciado um reforço, com “um crescimento de 5,3% face à dotação ajustada de 2023”. Pouco provável é que esses aumentos permitam que instituições como a nossa possam ter as verbas necessárias para fazer face às despesas correntes e básicas. Recorde-se os dados avançados pela UMa, em maio de 2022, indicando que o Estado assume apenas 79% dos encargos com recursos humanos e 39% do financiamento global anual dos Serviços Sociais.

No ponto sobre a revisão das taxas e emolumentos, espera-se o fim anunciado da afronta que é termos estudantes a pagar centenas de euros para entregar a sua tese. Estranha-se, contudo, que tal assunto esteja numa proposta do modelo de financiamento, quando existe um silência na proposta sobre as propinas.

No documento, o governo refere um aumento de 24%, entre 2014-15 e 2021-2022, do número de bolseiros. Volta a esquecer que esse aumento também é feito à custa da redução da bolsa média, omite o necessário financiamento da ação social no desporto, na cultura e na saúde e que o aumento de estudantes carenciados também é um reflexo dos rendimentos baixos das famílias. Devemos ambicionar uma realidade que caminhe para redução do número de estudantes que necessitam de apoio social e não celebrar o aumento do número de carenciados abrangidos.

O Estado tem a capacidade de moldar um sistema educativo com financiamento que invista no ensino e na investigação. Para que isso se torne uma realidade é necessário um compromisso firme e ações concretas em direção à mudança que o modelo apresentando ainda tem que esclarecer para convencer.

Ricardo Freitas Bonifácio
Presidente da Direção da ACADÉMICA DA MADEIRA
Com fotografia de Maria Teneva.