Os estudantes não querem Medicina Geral e Familiar?

Os estudantes não querem Medicina Geral e Familiar?

A falta de médicos de família em Portugal atingiu 1,7 milhões de utentes em 2023, agravando a pressão sobre os serviços de saúde e colocando em risco a sustentabilidade do SNS, segundo o Conselho das Finanças Públicas.

A crescente pressão sobre os cuidados de saúde primários em Portugal atingiu um pico preocupante em 2023, com 1,7 milhões de utentes sem médico de família atribuído, segundo o relatório do Conselho das Finanças Públicas (CFP). O número representa um aumento de 230 mil pessoas face a 2022 e equivale a 16% do total de utentes inscritos no Serviço Nacional de Saúde (SNS). A região de Lisboa e Vale do Tejo concentra a maioria dos utentes sem médico (67%), seguida pela região Centro (15%), enquanto as restantes regiões mantêm cerca de 6% em média​.

Este aumento exponencial, que persiste desde 2019, é atribuído a vários fatores estruturais, como a falta de novos profissionais e a elevada idade média dos médicos de Medicina Geral e Familiar. “Cerca de 46% dos médicos inscritos na especialidade têm mais de 65 anos”, aponta o relatório, sugerindo que as aposentações iminentes agravarão ainda mais a situação. A incapacidade de repor os médicos que deixam o SNS representa um desafio crescente para a cobertura universal dos cuidados primários​.

A insuficiência de médicos de família tem consequências diretas na pressão sobre outros serviços do SNS, como as urgências e os internamentos hospitalares. Sem acesso adequado a cuidados primários, muitos utentes recorrem às urgências, sobrecarregando as instituições hospitalares. Este fenómeno leva a interrupções em atividades programadas, como cirurgias, gerando “um efeito bola de neve desfavorável na atividade assistencial”, de acordo com o CFP​.

Para tentar mitigar esta crise, o governo anunciou, em 2023, a criação de um regime especial com cerca de 900 vagas destinadas a novos médicos de família. Contudo, estas medidas têm-se revelado insuficientes para contrariar o aumento contínuo do número de utentes sem médico. O relatório salienta que “a manutenção desta tendência coloca em risco a capacidade do SNS de responder às necessidades da população”, especialmente num contexto de envelhecimento populacional e aumento de doenças crónicas​.

PNA. Se não sabe o que é, nem sonha com Medicina

A Prova Nacional de Acesso (PNA) é a 27 de novembro e milhares de candidatos lutam pela especialidade desejada. Um chumbo na PNA deixa o médico sem acesso à formação especializada, aguardando um ano por uma nova oportunidade.

Além disso, a crise nos cuidados primários reflete-se na incapacidade de implementar estratégias de saúde pública de forma eficaz. A falta de médicos limita a adesão a programas de rastreio e acompanhamento de doenças crónicas, atrasando diagnósticos e agravando as condições de saúde dos utentes. Em 2023, por exemplo, “apenas em algumas áreas, como o rastreio do cancro do colo do útero, foi possível recuperar os níveis de adesão pré-pandemia”, alerta o relatório​.

A resolução desta crise exige uma abordagem multidimensional que passe pela contratação de novos médicos, melhorias nas condições de trabalho e maior eficiência na gestão de recursos. O CFP conclui que, sem mudanças estruturais e um reforço substancial dos cuidados primários, “a sustentabilidade do SNS e o acesso equitativo a cuidados de saúde estão seriamente ameaçados”​.

Esta semana, com milhares de candidatos a realizar a PNA, a ET AL. preparou um especial com quatro artigos sobre Medicina e a prova que dita o acesso dos médicos à formação na especialidade.

Carlos Diogo Pereira
ET AL.
Com fotografia de Kars Tuin.

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