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Crónicas da Primeira República por um madeirense

José Varella foi uma das mais notáveis figuras portuguesas do início do século XX. Nascido na Ponta do Sol, foi médico, militar, político e jornalista, assinando várias crónicas satíricas da Primeira República publicadas em diferentes periódicos. Estas foram recolhidas e estudadas por uma sobrinha-neta e reunidas numa edição da IMPRENSA ACADÉMICA.

Ângela Varela, descente de José Varella, recolheu todos os artigos assinados com o nome do capitão-médico, ou sob pseudónimo deste, dispersos pela imprensa da época, aos quais juntou um estudo introdutório que contextualiza o autor e a «complexidade de uma época tão conturbada» como foi a Primeira República.

As torres no coração do Funchal

Uma das maravilhas da cidade do Funchal é o seu bosque de torres que se ergue sobre as águas dos telhados. Muitas ainda são usadas para habitação, trabalho ou armazenamento. Ao subi-las, tiram-nos o fôlego não só pelo número de degraus (que nos deixam de pulmões a arder), como pelo

A obra O Capitão Médico José Varella e a Crónica Satírica dos “Desmandos do Poder” (1911-1919) de Ângela Varela está disponível nos principais livreiros a operar em território nacional.

A apresentação terá lugar na Ponta do Sol, no Centro Cultural John dos Passos, no dia 20 de maio, a partir das 16.30, no âmbito no Festival Aqui Acolá. A sessão contará com Ângela Varela com quem a ET AL. falou.

Este seu estudo é sobre um seu ascendente. Foi esta uma motivação especial ou o tema impôs-se por si próprio?

Creio que as duas motivações se interligaram. Com efeito, sobre o meu tio-avô José Varela, que até morreu antes do meu nascimento, pouco sabia, para além da informação de que ocupara os cargos de senador e de governador civil durante a Primeira República.

Foi em 2006 que, ao participar num Congresso Internacional sobre John Dos Passos, vi no átrio do Centro Cultural, em posters gigantes, as fotografias com notas biográficas dos meus tios-avôs, o Capitão-Médico José Varela e o Médico António do Monte Varela. Era uma exposição da Dr.ª Teresa Florença Martins sobre a imprensa regional de inícios do séc. XX, tema da sua tese de mestrado. Curiosa, consultei, no Arquivo Regional, em microfilme, os jornais indicados, e encontrei, sobretudo de José Varela, variados artigos políticos, nos editoriais, que, não só comentavam o andamento da História Nacional e Regional, como revelavam certas qualidades literárias, dignas de serem recuperadas.

De pendor satírico, estas crónicas mesclavam vastas referências culturais, e uma linguagem culta e erudita, com vocábulos e provérbios populares. Assim, para a longa introdução que elaborei, aprofundei os meus conhecimentos da História, dentro da complexidade de uma época tão conturbada, e procurei analisar o valor da escrita, na qual me centro em todos os meus ensaios sobre vultos literários do passado.

Sendo a sua área de especialização a literatura, como vê, no conjunto da sua produção investigativa, esta incursão no campo da história e da biografia?

Conforme respondi na questão anterior, foi em primeiro lugar a área da Literatura que me motivou para a edição deste livrinho. Mas a Biografia e a História também me interessam, e não só como ramos colaterais da investigação. Organizei uma antologia sobre grandes poetas em prosa, ainda manuscrita, em que desenvolvi exaustivamente a biografia, que até inclui a arte poética pelos próprios autores.

Interesso-me também pela História genealógica, pelo prazer da descoberta, quando possível, ou posta em questão, de remotas situações históricas e de laços familiares insuspeitados. Abordei esta temática num artigo publicado na revista Islenha (n.º 65), sobre os antepassados da minha família, Lira Varela, em que, por exemplo, a incógnita sobre as origens do “Cavaleiro Napolitano”, um dos sesmeiros na colonização da Calheta, é objeto de versões divergentes, até erradas, da parte dos Nobiliários e de investigadores locais.

José Varela, filho de Roque Jacinto Varela e de Josefa de Jesus, era irmão de António de Monte Varela, ex-aluno da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal e proprietário e diretor dos jornais A União (depois continuado pelo Brado do Oeste) e A Vitória, publicados na Ponta do Sol. Como vê este ambiente ilustrado da Ponta do Sol de inícios do século XX?

Não só no início do séc. XX, mas desde o séc. XIX, a Ponta do Sol era designada como a “Vila dos Doutores”. Com efeito, eram oriundas desta freguesia figuras de grande plano, entre médicos, professores, advogados, políticos, jornalistas, de vasta cultura (clássica, literária, histórica, científica). É o caso do doutor António da Luz Pita (1802-1870), considerado o médico-cirurgião mais competente da Madeira no séc. XIX. Doutorou-se na Universidade de Montpellier, foi doutor em cirurgia pela Universidade de Paris, e foi ainda, além de Deputado pela Madeira às Cortes, o primeiro diretor e professor da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal.

Destacam-se igualmente os irmãos, Dr. João Augusto Teixeira (1845-1907) e Dr. Nuno Silvestre Teixeira (1847-1928), também como deputados, professores e diretores da Escola Médico-Cirúrgica. Ambos, tendo feito cursos de excelência, recusaram o ingresso como docentes na Universidade de Coimbra e preferiram seguir a carreira de Professores do Liceu do Funchal, o primeiro de latim, e o segundo ainda no cargo de reitor. Desta ilustre família, é de acrescentar outros dois irmãos: o Cónego da Sé do Funchal, Dr. Feliciano João Teixeira (1843-1896), Deputado e professor do Seminário, e o Dr. Manuel Joaquim Teixeira (1836-1926), formado em Direito e Teologia e professor do Liceu de Coimbra. Pela mãe, D. Joaquina Júlia dos Passos, são parentes de Manuel Joaquim dos Passos, avô do célebre escritor americano John Dos Passos, a quem o Centro Cultural é dedicado.

Outra família ilustrada é precisamente a do autor das crónicas deste livro, o Capitão-Médico José Varela (1874-1937), e de seus irmãos. O mais velho, Dr. António do Monte Varela (1865-1957), exerceu mesmo toda a sua prolífica atividade na Ponta do Sol. Tendo-se licenciado pela Escola Médico-Cirúrgica do Funchal, em 1892, foi médico municipal do Concelho e, como político, presidente da comissão executiva do Centro Democrático Pontassolense (fundado em 1912), e diretor do bissemanário A Época (1912-1913), além de proprietário/diretor do semanário A União (1918-1919). Destes, era habitualmente o Dr. José Varela que redigia o editorial, contra os “desmandos do poder” do Partido Democrático de Afonso Costa, que também sempre visara nos periódicos do Centro Republicano Democrático do Funchal, O Radical (1911-1912) e A Democracia (1913). Sobre educação e pedagogia, Manuel José Varela (1871? -1947), professor da Escola Normal do Funchal, também colaborou, com seus irmãos, nas mesmas gazetas da Ponta do Sol.

Finalmente, na defesa da pátria e da Madeira, é de referir ainda o irmão mais novo, Coronel Francisco Silvestre Varela (1883-1969), combatente em África e na Flandres, que, em épocas de crise, foi Presidente da Câmara do Funchal (de 1927 a 1933), com obra notável, como o abastecimento da água potável a toda a cidade do Funchal, e Governador Militar da Madeira, na altura da Segunda Grande Guerra (entre 1937 e final de 1939).

Entrevista conduzida por Timóteo Ferreira.
ET AL.
Com reprodução da capa da obra feita por Pedro Pessoa.

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