“Entre os finais do século XIX e os inícios do XX, tipificaram-se curiosos remates de barro cozido nas edificações madeirenses, especialmente com pombinhas e cabeças de menino, tradição que o desaparecimento das antigas olarias onde se produziam coloca bastante em risco”.
Esta tradição bastante rara no continente, embora ainda sobrevivente, entre outras áreas, nas de Aveiro e do Algarve, por exemplo, deve ter raízes nos cultos de fertilidade pré-cristãs e que sobreviveram, depois, no culto do Espírito Santo, acarinhado pela Igreja Católica. Embora não conheçamos exemplares madeirenses anteriores ao século XIX, parece não restarem dúvidas que devem ter existido, resistindo, inclusivamente, um ou outro exemplar pré-industrial, como na residência paroquial de São Pedro, no Funchal.
O gosto orientalista, dito chinoiserie, parece ser também responsável por certas decorações mais elaboradas, como algumas cristas sobre os telhados, igualmente dotados destes elementos decorativos e informará também alguns aspetos das decorações fim de século e arte nova. A divulgação desta temática, no entanto, parece bem mais popular, aparecendo de certa forma ligada às edificações dos chamados demeraristas dos finais do XIX, emigrantes retornados da América Central e responsáveis por uma ampla campanha de construções dispersas por quase toda a ilha, com especial incidência nas áreas rurais e periurbanas.
Os elementos base parecem ser as pombinhas em repouso ou de asas levantadas, tal como cabecinhas de menino e de menina. Estamos, assim, perante elementos do culto da fertilidade e patentes, por exemplo, em ditados populares, como “Quem casa, quer casa”. Posteriormente diversificou-se, encontrando-se variantes representando papagaios, tais como cães (quase sempre buldogues), gatos, galos (figurações mais raras) e, inclusivamente, grifos e dragões de nítida inspiração chinesa. Paralelamente, existem estilizações cerâmicas de folhas de acanto ou pontas de setas, pontualmente muito estetizadas, ou, simplesmente, obtidas pela fragmentação das telhas.
Os remates mais antigos aparecem em telhados de telha marselha, por vezes fibrocimento. Parecem, mais recentes, os remates cerâmicos que acompanham os telhados de telha romana, ou telha de meia cana, por certo, em campanhas de obras posteriores. A expansão deste gosto na Madeira levou à sua industrialização, criando-se uma vasta coleção de tipos, que, se não atingem na sua maioria grande qualidade artística, pela sua variedade e multiplicidade, atingem uma muito interessante qualidade plástica e decorativa.
Legenda:
1 – Cabeça de menino, antigo mercado do Porto Santo, 1920(c.).
2 – Pomba esvoaçante, Camacha, Porto Santo, 1960(c.).
3 – Galo, Azinhada de São Pedro, 1970(c.).
4 – Cabeça de senhora, Camacha, Lombo de Baixo, Faial, 1920(c.).
5 – Folha de acanto, Canhas, 1940(c.).
6 – Gato, Canhas, 1950(c.).
Rui Carita
Professor da UMa