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Quando a vida acaba por nossa vontade

Nos últimos anos o número de suicídios em Portugal tem vindo a aumentar, sendo a Madeira uma das regiões do País na qual se registam as taxas mais elevadas. No entanto, não é possível apurarem-se dados concisos, uma vez que muitos suicídios são camuflados, por variadas razões. O certo é que, por ano, em solo português, mais de um milhar de pessoas põe termo à própria vida. No mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde, são mais de 3000.

Esta causa de morte e o impacto que tem tido na sociedade obrigaram à implantação de um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio, em curso desde 2013, com final agendado para 2017. Este plano, dividido em duas fases de implementação, pretende uniformizar a terminologia, fomentar a caracterização rigorosa da situação, potenciar os níveis de bem-estar psicológico e uma melhor acessibilidade aos cuidados de saúde, melhorar o acompanhamento após alta hospitalar, aumentar a informação e a educação em saúde mental, assim como, diminuir o estigma em torno de depressão, ideação suicida, comportamentos auto lesivos e actos suicidas.

As acções desenvolvidas no âmbito do Plano pretendem abarcar a população em geral, mas, de forma específica, adolescentes, idosos, população prisional, pessoas com deficiência, profissionais de saúde e forças de segurança. Afinal, um acontecimento deste tipo não escolhe idade, profissão, estrato social, sexo, raça, ideologias ou orientação sexual específicas, e todos devem estar preparados e sensibilizados.

O suicídio apresenta-se como um fenómeno complexo que a todos diz respeito. É perspectivado como uma forma de ceifar uma dor emocional insuportável, que não é, de todo, impossível de evitar. A mesma pessoa que tem um perfil dito suicida (mal-estar psicológico, isolado, sem auto-estima, sem esperança), pode, ainda, ser ajudada, se for devidamente entendida e auxiliada na procura de soluções ou estratégias para contornar a sua situação de vida.

Muitas vezes, registam-se casos de desvalorização das ameaças de suicídio ou de atribuição simples a alguma patologia, sem que se prestem os cuidados necessários, que podem ir desde a fomentação de conversas em casa até à procura de um profissional especializado. Conversar pode não se constituir como a solução total do problema, mas é, efectivamente, uma maneira de atenuar a angústia sentida e uma maneira de fazer o possível suicida entender que tem uma rede de suporte à sua disposição.

A Sociedade Portuguesa de Suicidologia afirma que o suicídio é uma escolha, um direito da autêntica responsabilidade de cada qual. Mas é, igualmente, uma escolha de todos nós ignorarmos os pedidos de ajuda que passam sob a nossa inconsciência, camuflando-os de loucura ou desequilíbrio, em detrimento da aposta numa visão positiva da vida. Afinal, nenhum problema temporário tem o direito de se impor e determinar o definitivo da vida. Empatia e responsabilidade precisam-se, porque a vida, essa, é a única coisa que não (deve) terminar por nossa vontade.

“Todos usufruímos dessa liberdade e, por essa democracia conquistada, todos temos a responsabilidade de participar, de decidir, de dar a cara. Esse é o valor da democracia.”

Num estudo do V-DEM Institute, da Universidade de Gothenburg, divulgado em março deste ano, Portugal surge com a 7.ª melhor democracia do mundo. Apresenta-se como um exemplo de evolução positiva quando se consideram as últimas décadas, mas peca pela fraca participação política dos cidadãos.

Uma sondagem produzida para a Representação da Comissão Europeia em Portugal — Opinião pública na União Europeia demonstrou que houve uma quebra de confiança, por parte dos portugueses, nos partidos políticos e na satisfação com a democracia. Posição corroborada por vários outros estudos, que concluem que as instituições políticas são, definitivamente, aquelas em que é depositada menos confiança.

É portanto fácil de questionar, perante os dados expostos, se a fraca participação política, o desinteresse da população e até a abstenção nos vários atos eleitorais não são senão espelho da falta de confiança dos portugueses nos partidos. Eu diria que sim!

Mas o que tem falhado? E que preço se paga por viver em democracia?

O 25 de Abril de 1974 deu azo ao nascimento da democracia depois de anos de ditadura e foi ela que nos deu a oportunidade de ter opinião, de votar de forma livre, de escolher quem nos governa.

Hoje, dizem que Portugal vive uma crise de confiança política, mas, muitas vezes, esquecemos que todos estamos no mesmo barco. Que a democracia nos serve no auge, mas que também deve ser arma para os tempos mais difíceis. Todos usufruímos dessa liberdade e, por essa democracia conquistada, todos temos a responsabilidade de participar, de decidir, de dar a cara. Esse é o valor da democracia.

A realidade que atravessamos, com a pandemia da COVID-19, deixou-nos nas mãos dos políticos que nos representam. Sem escolha, confiantes ou não, foi essa democracia que mostrou, uma vez mais, que as nossas decisões se refletem, sempre, no percurso da nossa Região e do nosso País.

Um estudo recente, realizado pelo ICS e pelo ISCTE, revelou que 51% dos portugueses considera que as medidas tomadas, em resposta à pandemia, foram adequadas, mas outros 44% defendeu que eram necessárias outras mais restritivas. Gostava de saber a percentagem de votantes entre estes inquiridos, o que nos traria mais uma oportunidade de reflexão e mais uma forma de entendermos que não basta reivindicar.

Hoje, o papel da política é, também, o de nos salvar a vida. O de impor para nos proteger, o de alterar a realidade para que ela surja melhor, mais tarde.

Na nossa Região, a estratégia política resultou. Não se registaram óbitos e, em relação ao resto do território, têm sido menos as linhas de contágio ativas. Afirmo, até porque escrevo um artigo de opinião num tempo de liberdade, de que acertámos no líder e na audácia de quem nos governa. Mas, nas últimas eleições, ainda faltou votar quase 45% da população. Que as novas circunstâncias, a que nos estamos a adaptar e a que o nosso Governo está a responder, possa mudar a opinião das pessoas e fazer com que, pelo menos aqui, a política esteja mais apta a ter a confiança da população.

Vera Duarte
Alumnus da UMa

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