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Uma Adoração dos Reis Magos com 4 reis…

Nesta a quadra do Natal chamamos a atenção para um dos quadros capela-mor da igreja do Colégio, recentemente exposto no Museu de Arte Sacra do Funchal. Esta pintura já nos havia alertado há cerca de 20 anos, mas entretanto, voltando ao seu lugar na capela-mor, a uma altura que dificulta a observação, ficou mais ou menos esquecida. Integrando a exposição dos 500 Anos da Diocese do Funchal, Madeira — Do Atlântico aos Confins da Terra, voltou a alertar-nos e a merecer uma visita com outros elementos, embora nem todos estejam de acordo para a questão dos reis magos.

O quadro em questão, uma Epifania ou Adoração dos Reis Magos apresenta dois reis em primeiro plano, em princípio, os reis do Oriente e do Ocidente oferecendo ouro e incenso. Em segundo plano, um rei negro, ostentando também um presente, por certo mirra e um índio do Brasil, a par do mesmo e com uma coroa nas mãos. Ao lado uma figura jovem, sem relação com a cena central, por certo o encomendador.

Os textos bíblicos não definem bem os “reis magos” e, inclusivamente se eram reis ou magos, apenas referindo o Evangelho de Mateus, que “entregaram suas ofertas: ouro, incenso e mirra”. A partir da Idade Média e com base no número de presentes, a Igreja Católica definiu a sua qualidade e, progressivamente, os nomes e as origens. Assim, Belchior, o mais velho, teria vindo de Ur, na Caldeia, representando o Ocidente; Gaspar, o mais novo, teria vindo de uma terra longínqua para além do Mar Cáspio, representando o Oriente e Baltazar, mais escuro, teria vindo do extremo da Arábia e representa, geralmente, a África.

Com a descoberta de um novo continente, pontualmente, como no antigo retábulo da sé de Viseu, da oficina de Francisco Henriques e Grão Vasco, conjunto datável de 1501 a 1506, o rei Baltazar aparece como um índio do Brasil, havendo vários escritos alertando então que deveriam ser quatro os reis magos, como representantes dos vários continentes. Mais tarde, o grande orador jesuíta padre António Vieira, no Sermão da Epifânia, em 1661, em que pregou veementemente a liberdade dos negros e dos índios, lembra que da “maneira que a estrela dos Magos em dois anos trouxe a Cristo três homens, e as nossas em meio ano quatro nações”, algo necessitava de ser alterado.

O quadro em questão da capela-mor do colégio do Funchal fez parte do legado de D. Helena de Bettencourt e Vasconcelos, que fora casada com António de Andrade da Silva, mas sem descendência e suas cunhadas D. Brites e D. Isabel da Silva, que não casaram, repousando as três sob aparatosa lápide sepulcral no centro da capela-mor da igreja do Colégio. O codicilo do testamento de D. Helena, que institui a capela-mor é de 1624, falecendo a doadora e as suas primas em 1626. Resta saber a quem teria pertencido o quadro em questão, que apresenta um doador trajando como caçador e com um enorme cão. A pintura, realizada por volta de 1560, poderá representar um dos avós das senhoras em questão ou ter sido comprado já assim.

Rui Carita
Professor da UMa

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