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A origem das comemorações do Fim do Ano na Madeira

É senso comum que o espectáculo pirotécnico teria começado pelo ano de 1921, sendo promovido pelo Reids Palace Hotel, por iniciativa do seu dinâmico director, o italiano Luigi Gandolfo, que se manteve no cargo até 1939.

Mas a verdade estará acima de todos os relatos, apesar da oralidade se aceitar como fonte histórica, que passam de geração em geração e deve ser a primordial preocupação de quem escreve sobre a História da Madeira. Por respeito aos nossos antepassados, aos protagonistas que são os madeirenses, não devemos propalar falsidades aos vindouros.

Na verdade, A Festa faz parte da cultura madeirense e é o período do ano de intensa vivência harmoniosa, caracterizado pela unidade familiar e pela solidariedade, preocupada com as carências sociais. Mas é também, pelo consumismo, uma espécie de compensação das dificuldades sentidas ao longo do ano, num passado não muito distante. Infelizmente, essas dificuldades são idênticas às que hoje nos invadem e preocupam, dada a conjuntura que atravessamos.

Pela ansiedade de encetar outro ciclo, após 12 meses de labutas, o povo madeirense agarrou-se à esperança de que o ano novo seria sempre melhor que o anterior e daí as manifestações culturais, onde se misturam o profano e o religioso, terem surgido como iniciativas espontâneas que, pela espectacularidade, se tornaram tradicionais. Estará, neste caso, a predilecção dos madeirenses em manifestar-se “estrondosamente”, com recurso à pirotecnia típica dos arraiais, como forma de assinalar o início, momentos solenes e o seu fim.

As fontes históricas remetem-nos para as comemorações da canonização dos símbolos Jesuítas, Inácio de Loyola e Francisco Xavier, a 12 de maio de 1622, com recurso ao fogo-de-artifício, e a imprensa funchalense identifica o ano de 1866 como o início dos festivais pirotécnicos de 31 de Dezembro, no Funchal. Com o decorrer dos anos, a competitividade entre vizinhança levou ao empenho e esforço financeiro de vários sítios e famílias para serem notícia na imprensa funchalense. No ano de 1908, deu-se realce às exibições pirotécnicas da Quinta Mãe dos Homens, residência do Visconde do Cacongo, e Vila Alice, moradia de Silvestre Quintino de Freitas, no Alto da Pena.

O Funchal, cidade cosmopolita e terceira do país, tinha a actividade turística consagrada e era reconhecida pelo epíteto de Pérola do Atlântico. Criaram-se os Casinos, para diversão dos Turistas, combatidos ferozmente pela mentalidade retrógrada do século XIX. Tudo o que se pretendia, em termos de desenvolvimento urbano, era o alindamento ou aformoseamento da cidade, com a indissociável construção do porto d’abrigo e da sua marginal, implementando serviços fundamentais, em especial, uma alfândega com capacidade de armazenamento, capaz de prestar serviço organizado e célere.

Portanto, a preocupação de bem receber para atrair os estrangeiros, visitantes sazonais ou em trânsito, significava, no “dia de São Vapor”, movimento na cidade e consumo nas casas de bordados, de vinhos e comércio em geral, com a venda de artefactos, obra de vimes, embutidos de madeira, chapéus de palha e tartarugas embalsamadas e envernizadas.

Por isso, é naturalmente que surge uma comemoração fantástica, a passagem do ano associada ao termo feérico, como se escrevia nos meados do século XX, a adjectivar o espectáculo pirotécnico. No segundo quartel desse século, especialmente na década de 1930, nota-se uma evolução. Com o apoio da imprensa local, um grupo de cidadãos organiza-se em Comissão Executiva das Festas da Cidade, no ano de 1932 e, quatro anos depois, foi criada a Delegação de Turismo da Madeira. Mas as raízes deste cartaz turístico encontram-se nos meados do século XIX, como se disse.

Depois, é também com naturalidade que se associaram os transatlânticos e os navios de cruzeiro, dando fogo e apitando à farta. Hoje, são presença imprescindível, como ficou demonstrado pelos doze navios que trouxeram ao Funchal cerca de 20.000 passageiros no último dia do ano de 2013. O clima ameno também propicia, normalmente, um excelente espectáculo, contaminando os assistentes de entusiasmo e alegria.

Para ilustrar este evento, recorro a um excerto do livro, Lágrimas correndo Mundo, do escritor madeirense Horácio Bento de Gouveia, que diz:

“ (…) Quatro grandes paquetes iluminados em arco embelezavam a baía calma. Para se sentir a azáfama da respiração do mar, o ouvido devia concentrar-se e os olhos acompanharem o espreguiçamento soluçante das águas em desmaio, cingindo o cais, e apegando-se e despegando-se da cintura do litoral. (…)

Borboleteiam penachos de lantejoulas em coruscações estranhas que depois se extinguem sob outra revoada relampagueante de matizes. Despetalizam-se corolas de flores de lumes ao mesmo tempo que explodem, acolá e mais distante, em toda a curvatura do relevo que envolve a cidade, centenas de girândolas que são novas corolas a desferirem sensações.

Os automóveis apitam e os sinos das torres das igrejas tocam, despedindo-se do ano que não torna a ser vivido. Guardam os olhos a vista de irrealidade, alucinação que não mais se repete, da noite de São Silvestre, em que o céu do Funchal é uma das maravilhas do Mundo. (…) ”

Temos mais um percurso de quatro trimestres em 2014 para vencer novas dificuldades, é o nosso Fado, mas garantimos aos visitantes a vitalidade da nossa cultura, a criatividade em eventos renascidos e outro feérico espectáculo no próximo 31 de Dezembro.

José Luís Ferreira de Sousa
ACADÉMICA DA MADEIRA

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