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Decência na docência

Os problemas do Ensino Superior português não estão distantes. Os cortes previstos chegam aos 8,5% do orçamento e a UMa tem, segundo o reitor, “duas possibilidades”: dispensar pessoal ou aumentar a receita.

O ministro da Educação e Ciência e antigo pró-reitor da Universidade Técnica de Lisboa, Nuno Crato, é um defensor acérrimo da qualidade no ensino. Apesar do seu ministério tutelar as áreas que estavam separadas em dois na anterior legislatura, tendo, actualmente, grande mediatismo para as questões relacionadas com a educação nas escolas e a avaliação dos professores, o ministro sente-se “ministro de tudo”: educação, ensino superior e ciência.

Com um passado com grande ligação ao movimento associativo, Nuno Crato referiu, numa recente entrevista, que o “ensino superior está a passar um processo de concertação de esforços de criação de massas críticas, com vista a ter uma concentração de qualidade que permita processos de doutoramento e o desenvolvimento da investigação”. Qualidade é, realmente, uma das suas bandeiras e a marca que pretende cunhar nas áreas que o seu ministério tutela. E será esse aspecto que o antigo presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática irá exigir às Universidades, mesmo com cortes e sacrifícios anunciados.

Os cortes previstos chegam aos 8,5% no orçamento do Ensino Superior com a inclusão de uma reserva destinada à “cobertura de riscos de 2,5%”. Tudo somado, estimam-se cortes na ordem dos 95 milhões de euros no orçamento das Universidades e dos Politécnicos.

Cortes, despedimentos, perda de qualidade, estrangulamento, escassez, desmotivação, preocupação, insustentabilidade ou desequilíbrio são alguns dos termos que estão a ser ouvidos dos reitores em consequência da austeridade anunciada. O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, reunido no início de Setembro, “registou a existência de graves constrangimentos na elaboração dos orçamentos das universidades para 2012, que serão muito difíceis de ultrapassar e que anunciam graves situações de desequilíbrio orçamental para o próximo ano”.

O reitor da Universidade da Madeira, em declarações à agência Lusa, referiu que possui “duas possibilidades”: dispensar pessoal ou aumentar a receita.

José Marques dos Santos, reitor da maior Universidade do país – Universidade do Porto, refere que o corte irá obrigar “a reduzir alguns investimentos e a ser mais eficientes e racionais na gestão dos recursos. Temos de ser menos generosos nalguns apoios que damos – se um gabinete é limpo todos os dias, passa a sê-lo dia sim dia não, por exemplo”.

O anúncio de austeridade pode provocar uma corrida aos cortes internos no investimento, comunicação, apoios, etc. As interpretações erróneas provocam graves erros na sua aplicabilidade. Quando Warren Buffet referiu que os ricos deveriam pagar mais impostos, o mundo viu-se envolto numa marcha contra os milionários e bilionários. Mas o que Buffet referiu foi que as atenções e impostos deveriam focar-se nos indivíduos abastados que continuam a fugir às obrigações fiscais. Infelizmente a estratégia parece centra-se em taxar e sobre taxar quem paga sempre as suas obrigações, sem virar a mira aos eternos incumpridores e sonegadores.

A mesma estratégia não pode ser seguida na Universidade da Madeira. Quando forem impostos os cortes e as reduções necessárias, não podemos esconder os problemas que afectam a saúde financeira da Universidade nem será correcto esconder os prevaricadores. Antes de falarmos em cortes e despedimentos temos que extinguir os abusos e ilegalidades que persistem.

Qualquer empresa ou instituição, mesmo sem estar a ser submetida a qualquer medida de austeridade, não deve nem pode admitir que os seus funcionários sejam absentistas. Uma Universidade pública deverá ser um exemplo nesse campo e não um meio que permite que os seus funcionários não tenham pontualidade ou assiduidade. Não pode ser um espaço onde não sejam cumpridos os deveres, onde não se cumpram os prazos estipulados nem seja realizado o trabalho pago por todos os cidadãos deste país em grave dificuldades financeiras – muitas vezes provocadas pelo sustento sistemático desses vícios.

Fechar os olhos não é, certamente, a solução. A falta de punição e enquadramento desses comportamentos provoca uma onda de injustiça à grande maioria dos funcionários docentes e não docentes da Instituição que cumprem o que é exigido, superando com o seu esforço, dedicação e trabalho as suas obrigações laborais. Esses merecem o reconhecimento da Academia e merecem que não sejam colocados no mesmo patamar dos incumpridores. Esses que intitulam-se professores, funcionários ou servidores públicos, mas que passam dias ou semanas sem exercer o seu dever não podem continuar impunes sem medidas concretas dos dirigentes da Universidade.

Quando a Universidade permite que os Directores de Curso continuem em funções quando não possuem qualquer presença em órgãos que possuem assento, qual a mensagem que pretende passar? Quando os docentes ameaçam os seus estudantes e a Universidade “não tem conhecimento de factos desse tipo”, quando recebeu queixas nesse sentido, qual a sua legitimidade em solicitar denúncias dos seus membros? Quando os seus funcionários não leccionam aulas, não cumprem prazos, não respeitam os Regulamentos ou não respeitam os seus próprios colegas o que podemos esperar dos estudantes dessa Universidade?

A Universidade, antes de anunciar medidas hipotéticas, deve aplicar medidas concretas que passem por um controlo sério e transparente das actividades lectivas, dos prazos e dos deveres dos seus funcionários. Mas essas medidas não podem estrangular aqueles que sempre cumpriram, largamente, os seus deveres e as suas obrigações enaltecendo a nobre profissão que ainda é a docência. Haja decência.

Luís Eduardo Nicolau
ET AL.

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