HISTÓRIA DA MADEIRA de Rui Carita num volume único é uma obra monumental que reúne os seis volumes já publicados, entre 2014 e 2020, pela Imprensa Académica, chancela editorial da ACADÉMICA DA MADEIRA. Já à venda nos principais livreiros a operar em todo o território nacional, é o culminar de anos de investigação sobre seiscentos anos de ocupação portuguesa do arquipélago da Madeira levados a cabo pelo professor da Universidade da Madeira e historiador Rui Carita.
O seu doutoramento, concluído em 1994 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e cuja tese foi publicada em 1997, teve como título A Arquitetura Militar na Madeira (séculos XV a XVII). Como um militar de carreira se interessou pela história da arquitetura da Madeira e do Porto Santo?
R.C.: Como militar de carreira fixado na Madeira antes do 25 de Abril e aqui tendo participado na montagem do mesmo, ao acabar a licenciatura em História, o trabalho final foi já a Arquitetura Militar da Madeira, objeto da exposição das cerimónias do Dia 10 de Junho de 1981 no Funchal, exposição depois repetida no ano seguinte na Fundação Gulbenkian, em Lisboa e, dois anos depois, ainda na Casa do Infante, no Porto. Assim, quando 10 anos depois se iniciaram os trabalhos de doutoramento, foi também o tema que se seguiu.
Saliente-se que a década de 80 do século XX em Portugal ainda mantém uma muito forte presença militar, advinda do 25 de Abril, pelo que o tema ainda respirava essa vivência. Nos anos seguintes foi a passagem dessa moldura para a História dos Jesuítas e do edifício onde se encontra a Reitoria da Universidade da Madeira, pois que os Jesuítas de entendiam e assumiam como uma companhia de cariz também militar.
Houve assim uma sequência cronológica e mesmo ideológica, se o termo aqui possui enquadramento, na construção da história da Arquitetura Militar, depois da Companhia de Jesus e da Igreja Madeirense, em geral, para passar à História da Madeira.
Os sete volumes da sua História da Madeira começaram a ser publicados em 1989 e terminaram em 2008. Em 2014, a Imprensa Académica começou a publicação de seis volumes correspondentes aos 600 anos da Madeira e Porto Santo, numa edição que suprimiu as muitas notas da obra. Agora, será publicada uma versão mais condensada dos originais. Como foi este processo de adaptação para atingir o grande público?
R.C.: A História, ela mesma e por definição, é também uma construção ideológica e social, dependendo de quem a escreve, onde se escreve e para quem se escreve. E aqui há ainda que acrescentar de quem a revê e de quem a edita, pois que há que procurar atingir um público que a venha a adquirir e consumir, o que nos tempos que correm, de globalização e desmaterialização, acrescente-se, não é tarefa fácil.
A sua História da Madeira é a primeira a fazer uma síntese do passado da Madeira e do Porto Santo e pode ser considerada uma obra monumental, ao estilo das muitas “Histórias de Portugal”, desde os clássicos, como Alexandre Herculano, Oliveira Martins e Damião Peres, até às mais recentes, de Joaquim Veríssimo Serrão, de A. H. de Oliveira Marques, de José Mattoso, de Rui Ramos, Nuno Gonçalo Monteiro e Bernardo Vasconcelos e Sousa, e mesmo do Dicionário de História de Portugal, do madeirense Joel Serrão. A sua obra pode ser comparável a alguma destas? Com qual delas mais se identifica, admira ou simpatiza?
R.C.: Todas as “Histórias”, passe-se o termo, são filhas umas das outras e das condições em que foram escritas, sendo, assim, todas devedoras umas das outras. A primeira versão da nossa, por exemplo, nasceu da implantação da Autonomia e da necessidade da então Secretaria Regional da Educação, em 1989, quando dirigida pelo Dr. Eduardo Brasão de Castro, de fornecer às escolas da Região este tipo de informação.
Outras instituições entraram depois no projeto, como o caso da Assembleia Legislativa Regional, com as comemorações dos 30 Anos da Autonomia, em 2006, que acabaram por interferir na articulação da obras inicial e levar a uma outra reformulação, que veio a ser a da Imprensa Académica.
Não tendo havido outras tentativas monumentais de síntese da história da Madeira e do Porto Santo, que atualidade tem esta sua obra no contexto da historiografia madeirense? Há falta de sínteses, de investigação ou de historiadores na Madeira e no Porto Santo?
R.C.: Não creio que haja falta de sínteses, de investigação ou de historiadores, existem é todo um outro conjunto de pessoas e de interesses com outras maneiras de ser, de estar e de pensar, onde este tipo de trabalho já não se enquadra.
A profunda aceleração do tempo, a divulgação da utilização das redes sociais, muito mais imediatistas, etc., criou uma espécie de “mundo paralelo”, onde a síntese e a investigação, de certa forma, perderam terreno, sendo necessário criar um determinado afastamento em relação ao objeto ou situação, senão mesmo um tempo de análise, que a atualidade, da forma como se organizou, não permite.
A Imprensa Académica, a Associação Académica a Universidade da Madeira representam toda uma forma de pensar plural e globalizante, como é sua função, onde este tipo de trabalhos ainda têm cabimento, num esforço de mostrar que há sempre outros caminhos e outras formas de pensar, mesmo que aparentemente contracorrentes, pois a vida e a realidade não têm só uma cor, não sendo só preto ou branco, mas tendo todas as cores e variantes possíveis, todas tendo o seu lugar naquilo que se procura como final e que, com o tempo, vamos aprendendo, também, que tal é só um caminho.
Entrevista conduzida por Timóteo Ferreira.
ET AL.