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“Tem havido cada vez mais mulheres a escrever sobre mulheres e acho isso importantíssimo”

Vencedora, em 2022, do Prémio Literário da Cidade do Funchal Edmundo Bettencourt, a jornalista Berta Helena é autora de REFÚGIO DE GIBRALTAR, apresentado durante a 49.º edição da Feira do Livro do Funchal. A obra foi coeditada pela IMPRENSA ACADÉMICA, uma das editoras da ACADÉMICA DA MADEIRA.
Berta Helena, autora de REFÚGIO DE GIBRALTAR, uma coedição da IMPRENSA ACADÉMICA, na 49.º edição da Feira do Livro do Funchal. Fotografia de Mário Pereira.

REFÚGIO DE GIBRALTAR, como explicou a autora, é a história dos gibraltinos e gibraltinas que chegaram à Madeira em julho de 1940, mas é sobretudo a história de personagens femininas e, destas, a história de Lilly, a jovem refugiada de guerra como todos os outros que com ela viajaram desde Gibraltar.

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Berta Helena nasceu no Funchal. Foi jornalista profissional da RDP/Madeira desde 1978, e durante 30 anos. Colaborou com outros órgãos de comunicação social, nomeadamente a RTP e a RTP Internacional. Fez na RDP, para além da informação diária, a série de programas “Contadores de Histórias”, com reportagens do quotidiano madeirense ou histórias de figuras marcantes. Em maio e junho de 1996 esteve na Bósnia como enviada especial para a cobertura dos acontecimentos que conduziram à paz nos Balcãs. Em 2003, publicou o seu primeiro livro, Lenços Brancos, uma história de amor durante a Revolta da Madeira. Com a obra Pelo Verde dos Poios (2004) foi distinguida com menção honrosa no concurso literário Horácio Bento de Gouveia, da Câmara Municipal de São Vicente. Foi também premiada pelo conto “Cândia”, numa iniciativa do Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira. Publicou, em 2015, a obra de ficção O Feitiço de um pé de junquilhos. Venceu, em 2022, o Prémio Edmundo Bettencourt – Cidade do Funchal, com a obra Refúgio de Gibraltar, agora publicada.

Como jornalista, a Berta Helena teve acesso a muitos arquivos de notícias e contatou com muitas pessoas. Pode desvendar um pouco a origem e inspiração na realidade para produzir esta obra de ficção?

Sim, posso desvendar. O que me levou a escrever quase tudo o que escrevi, fora do âmbito jornalístico, foi sempre a curiosidade, o querer saber por quê, o querer saber o que aconteceu. É uma característica minha. Em relação a este livro, há muitos anos que eu ouvia falar das gibraltina… Eu ouvia o meu pai falar, ouvia a minha mãe contar algumas histórias. Tenho amigos que são filhos e filhas de gibraltinos e de gibraltinas. E, aos poucos, tudo isto que eu ouvia ia despertando mais a minha curiosidade, fazia-me querer saber mais e mais. Depois, decidi fazer um trabalho para a rádio, pois eu trabalhava na RDP, um trabalho sobre as gibraltinas. Era assim que as pessoas mais velhas se referiam, as novas gerações já não têm esta memória, já não sabem que houve cá uma colónia de gibraltinos. Nessa altura, tive muitas dificuldades para fazer este programa. As gibraltinas que cá ficaram constituíram família, mas elas não se queriam abrir, expor. Acho que tinha a ver com a sua chegada cá, com o que passaram, com o choque que sentiram com a chegada a uma sociedade mais fechada do que a sua. Elas foram mal vistas, foram alvo de preconceitos. Assim, nessa primeira abordagem do tema, foi para mim difícil. Algumas conversaram comigo, mas recusaram-se a gravar qualquer entrevista. De qualquer forma, saiu um trabalho. Não tenho bem a certeza quando, já foi há muito tempo… eu fiz um programa chamado “Contadores de Histórias”, mas não tenho a certeza porque eu fazia outros fora da informação diária. Depois, fui sempre tentando saber mais coisas, mas isso já a nível mais pessoal. Então, sempre que eu conversava ou entrevistava alguém mais velha do que eu, no fim da conversa ou da entrevista eu perguntava sempre pelas gibraltinas: «E lembra-se, naquele tempo, quando chegaram cá as gibraltinas?». Então fui guardando essas pequeninas coisas e juntando a outras. Comecei a ir ao Arquivo Regional, hoje Arquivo e Biblioteca da Madeira, e consultava jornais da época. Levei imenso tempo. Estive uns dois ou três anos a fazer pesquisa. E quando estava na posse de todos aqueles dados, de todas aquelas informações que eu tinha recolhido, então foi quase como se eu tivesse conseguido integrar naquela época, transpor-me para aquele tempo, a determinada altura era eu que também estava lá no meio delas… E foi aí que me surgiu a ideia daquela história, que é toda ficcionada, naturalmente.

Como mulher, a Berta Helena procurou construir alguns dramas psicológicos das personagens femininas na sua obra, em que se destaca o de Lily, caracterizando o ambiente preconceituoso da época e o choque entre as vivências das gibraltinas e das madeirenses. Pretende passar alguma mensagem nesta obra?

Eu tenho de ser muito sincera: eu quando escrevo, não estou a pensar porque é que estou a escrever assim. Estou a escrever e estou a seguir uma coisa que vem de dentro de mim, que me faz pôr as coisas daquela maneira. Neste momento de escrita, não estou a pensar em mensagem nenhuma, não estou a pensar em mais nada, senão em contar, deixando, talvez, para quem vem a seguir descobrir certas coisas na minha escrita; as pessoas dizem-me coisas de que eu não me dei conta na altura em que estava a escrever. Isto é muito sincero. Bem, mas agora que ele já está escrito, que o reli, se me perguntar por uma mensagem, é sem dúvida o da importância do papel da mulher na sociedade, sobretudo numa sociedade como a nossa, numa ilha – só por ser ilha – condiciona muito, especialmente as mulheres, porque ainda há muito preconceito em relação ao modo como as mulheres vivem, se mostram, se comportam. Eu acho que continua a haver um certo ambiente de preconceito na Madeira em relação à mulheres, embora agora de uma forma muito mais moderada. As mulheres têm de ser livres na sua maneira de ser e de estar, sem preconceitos. É talvez esta a mensagem que eu deixei.

A guerra surge no seu livro ao longe, como um pano de fundo, tudo se passa durante e por causa da guerra. No entanto, há coisas que relacionam a guerra às mulheres e há, talvez, um certo erotismo que a época proporcionou.

Sim, houve as separações dos maridos e mesmo dos filhos, há os bebés nascidos durante a guerra, há os momento de fragilidade das mulheres por causa da guerra, como o episódio com a mãe de Lily. Há mesmo alguém que diz: “o que soltaria assim as mulheres? A guerra, o medo de morrer, o facto de se sentirem, enfim, a salvo? Seria isso que as levaria a querer viver mais e mais, até ao limite?

Como vê o panorama literário madeirense quanto à presença de mulheres como autoras, mas também como tema de ficção?

Eu confesso que talvez não conheça tão bem como gostaria o que se faz na Madeira, mas acho que têm surgido algumas mulheres escritoras, tem havido cada vez mais mulheres a escrever sobre mulheres e acho isso importantíssimo. No entanto, acho também que o ser mulher é ainda condicionante, não para a escrita, mas para a publicação, é mais difícil publicar sendo mulher, tudo é mais difícil para as mulheres no nosso país, infelizmente. Eu acho que é preciso haver mais mulheres a escrever, de uma geração mais nova, e é preciso também que se escreva mais sobre as mulheres.

O que representa para si este prémio e que outros projetos tem?

Este prémio para mim tem um sabor muito doce porque é um importante reconhecimento da minha obra; é doce porque me faz lembrar o meu marido, recentemente falecido, e que foi a pessoa que me acompanhou sempre e que me deu muita força e incentivo para escrever o Refúgio de Gibraltar. Este livro é dedicado a ele. Escrever é afastar dores. Sobre outros projetos, prefiro não falar agora.

Entrevista conduzida por Timóteo Ferreira
ET AL.
Com fotografia da obra REFÚGIO DE GIBRALTAR.

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