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Empreendedores de palmo e meio

Chegou aos cinemas POSSO OLHAR POR TI, longa-metragam premiada, escrita e realizada por Francisco Lobo Faria, ator e realizador madeirense também conhecido pelo público ao interpretar João Gomes de Sousa no filme O Feiticeiro da Calheta (2017) de Luís Miguel Jardim.

POSSO OLHAR POR TI, gravado na Madeira e premiado em festivais de cinema estrangeiros, é protagonizado por um elenco infantil meio endiabrado a que se juntam até algumas caras bem conhecidas da televisão e do cinema português.

O vírus da virtude: lutar para (re)memorar

Ao analisar a doença de Alzeihmer e a aproximação da morte na série This Is Us, Roberta Busch, mestre em neurociências pela Universidade Federal de São Paulo, descreve-as como uma “espécie de neblina [que] obscurece a memória de uma personagem que tenta se lembrar, sem sucesso de uma certa palavra”.

Francisco Lobo Faria, ator e realizador madeirense também conhecido pelo público ao interpretar João Gomes de Sousa no filme O Feiticeiro da Calheta (2017) de Luís Miguel Jardim, volta a enfeitiçar o panorama do cinema, agora atrás da câmara, com o filme Posso olhar por ti (2022).

Prémio para o Melhor Elenco Juvenil no Titan International Film Festival (Austrália). Prémio para a Melhor Longa-Metragem no Internacional no Golden Lion Internacional Film Festival (Índia). Estas são as duas grandes distinções que “Posso olhar por ti” já recebeu apenas nos últimos dois meses, enriquecendo o valor desta produção, do seu elenco, da visão que o fez nascer. Era previsível receber estas notícias “titânicas”?

Não posso dizer que considero que seria previsível, no entanto, as distinções continuam a acontecer, não escondo que estou surpreendido e feliz. Neste momento contamos com quatro distinções internacionais e já ultrapassamos a dezena de seleções oficiais. É uma sensação estranha, é difícil perceber o que realmente significa isto.

Sobram essencialmente duas coisas, primeiro uma sensação plena e tranquila de gratidão e depois a vontade de continuar, de fazer com que projectos destes possam acontecer com mais frequência, com tudo o que isso representa para a sociedade madeirense e para os seus artistas.

Como foi aquela viagem até a Sydney, na Austrália, em janeiro, para receber o prémio para o melhor elenco do Festival Titan? Uma viagem tão longa, foi de nervosismo ou de entusiasmo e sentido de missão cumprida?

O objectivo deste filme como projecto era que estes actores vissem o seu valor reconhecido. Esse prémio deu de imediato uma sensação de missão cumprida. Senti que tinha de estar presente, era um primeiro prémio para o cinema madeirense em contexto de longas-metragens. Receber um prémio na Austrália, onde sabemos haver uma indústria muito forte de cinema, foi um acontecimento que provocou em mim um impacto enorme.

Eu fiz este filme porque acredito nesta forma de viver, não meço o sucesso com base nos prémios, preocupo-me essencialmente em viver de uma forma que me permita deixar uma obra no mundo com a qual me identifique, mas ainda assim, não fico imune ao desejo do sucesso, à vontade de ver a vida se tornar mais ao longo do tempo por consequência do mérito. Que venham os prémios, que se façam filmes, cada vez melhores, na Madeira, em Portugal.

Este filme passa-se cá na Ilha da Madeira, especialmente no Porto Moniz, seguindo um grupo de crianças nas suas aventuras em grupo. Qual a importância de contar a história deste grupo que, em particular, se desenrola cá na ilha? Existiu algum carácter auto-biográfico que inspirasse este enredo?

Nada autobiográfico neste filme. A importância de contar esta história, que podia acontecer em qualquer lugar do mundo, a partir de Porto Moniz, serve essencialmente para que os madeirenses se sintam do mundo. A estória é urgente porque precisamos mais empatia, o mundo precisa e merece que nós, que o construímos todos os dias, façamos uma reflexão acerca do que estamos realmente a construir.

O público nacional reconhece e consome os trabalhos que fogem ao circuito comercial?

Não sei, estou cá para ver. O que foge ao comercial à partida não gera apetite comercial, é uma pescadinha de rabo na boca. A pergunta é se este filme, que é orientado por uma vontade de passar uma mensagem e não de vender, terá ou não receptividade do público.
Essa é uma história por contar, à qual vamos assistir juntos, em simultâneo, não é excitante?

Qual a mensagem que ficará para o futuro com esta obra e o sucesso e distinção que recebeu?

Em primeira análise sobra a noção de que os artistas madeirenses têm de ser considerados. Que estes sete, que representam tantos outros maravilhosos, merecem ser tidos em conta, merecem ter acesso a oportunidades. Merecem continuar a ter possibilidade de demonstrar todo o seu valor.

Estes sete sobram deste filme. Agora importa que se lhes abram portas. É impensável que tenhamos tão poucos actores madeirenses a ser integrados em produções nacionais. Isso tem de mudar. Agora está na mão, de quem tem poder para isso, de fazer algo por eles, não porque são esquerda ou direita… porque têm mérito! Fica na mão dos madeirenses que tantas vezes me prometeram que me iam apresentar alguém nas televisões e nos teatros, porque eu merecia, mas que nunca fizeram. Façam agora por eles.

A mensagem para o futuro é que um presente diferente é possível e acessível… até uma criança consegue… ou talvez apenas uma criança realmente consiga. De resto sobra a criança que eu sou, que acredita nessa possibilidade. Não sei se sobra o que vou dizer, mas é o que eu gostaria que sobrasse… que o Francisco recebeu para devolver. Que o caminho que desbravou não tem portagens e não é dele. Que o Francisco quer que o João Brás, que está a fazer o seu filme agora, possa beneficiar do caminho que este filme abriu. Que o Francisco sabe que fez este filme porque o Luís Miguel se atreveu a abrir caminho antes e lhe estendeu a mão. Que o Francisco quer fazer o próximo filme percorrendo parte do caminho que o João, o Carlos Melim, o Luís Miguel, o Henrique Brazão e tantos outros, vão desbravar entretanto. Que o Francisco quer fazer o próximo com a ajuda de quem quiser estar com ele por bem. Que o Francisco está farto da competição mesquinha e quer fazer melhor, mesmo que ninguém entenda.

Se amanhã acharem que sou um parvo por dizer isto e pensar assim em vez de garantir o seu quinhão. Não me preocupo, amanhã terei orgulho em ter-me posicionado desta forma ontem. As grandes posições só se podem assumir hoje. Este é o meu hoje. Quero um contexto artístico diferente, sem tanta politiquice, em que não se ignora o valor de ninguém. Não serei guerra nem em resposta à guerra, sou amor e quero ser amor sempre. Este sou eu. E o resto são estórias.

Entrevista conduzida por Gonçalo Nuno Martins.
ET AL.
Com fotografia de Ross Sneddon.

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