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Psicologia, persuasão e o consumo

Robert Cialdini é professor de psicologia e marketing na Universidade do Arizona, e é conhecido pelo seu trabalho, na área da influência e persuasão. Apresentou, no seu livro INFLUÊNCIA, 6 princípios-chave em que aquelas se baseiam: compromisso e coerência, reciprocidade, validação/prova social, autoridade, gostar/afeto e escassez.

Cada um deles, do ponto de vista da nossa evolução, é importante para encontrarmos as melhores formas de sobrevivência e de adaptação ao mundo social. De uma forma geral, são bons princípios agir com coerência, retribuir favores e manter compromissos, imitar o que é comummente aceite e pessoas com quem nos identificamos, ou dar preferência aos pedidos destas, reconhecer autoridade legítima e valorizar o que é escasso.

Tomo como exemplo uma campanha publicitária que centra a sua estratégia de marketing, destinada à venda dos denominados “produtos de saúde e bem estar”, baseada em verdadeiras autoridades médicas, dando saliência a benefícios e caraterísticas concretas, realistas e adequadas do produto, que podem favorecer quem dele realmente necessite, informando acerca das suas limitações ou dos casos em que este possa não se adequar, demonstrando um verdadeiro mérito científico, funcional e utilitário, através de dados fiáveis acerca do mesmo, bem como, de testemunhos de pessoas que realmente beneficiaram do produto. Esta conduta comercial seria positiva para todos: fabricante, publicitários, vendedor e consumidor final.

“são bons princípios agir com coerência, retribuir favores e manter compromissos”

Ao invés, se a persuasão for utilizada falaciosamente, poderemos estar perante uma prática comercial desleal, proibida e punida por lei. Veja-se o caso da utilização de atores ou de quaisquer pessoas de bata branca que não são médicos ou técnicos de saúde (autoridade), de testemunhos ilusórios de consumidores a elogiar a experiência pessoal com o produto e os seus benefícios (prova social) e do recurso a figuras públicas que são meramente pagas para o publicitarem, desconhecendo os seus (de)méritos. Pensemos num consumidor atraído e comprometido a ir ao local de venda, através da gratuidade de uma qualquer oferta e, posteriormente, ouvir a apresentação do produto e da proposta, levado a sentir-se em dívida e a ter de retribuir, de alguma forma, o convite, aceitando o que lhe querem vender (compromisso/coerência e reciprocidade).

A Psicologia nas situações de Endividamento e de Sobre-endividamento

O contributo da Psicologia não se limita apenas à compreensão dos comportamentos de consumo e endividamento, mas também a intervenção no âmbito da prevenção. As situações de Endividamento e Sobreendividamento constituem um fenómeno social que tem afectado uma grande parte da população em geral, com profundas implicações, não só, a

Pensemos, agora, num vendedor que “encontra” pontos em comum connosco, de maneira a nos identificarmos com ele, apresentando caraterísticas do produto únicas (escondendo outras relevantes para a decisão) e uma diminuição exclusiva do seu preço de referência, limitada no tempo e apenas obtida porque o vendedor “pôs-se do seu lado” e “intercedeu favoravelmente” por si, ao contactar os seus superiores com poder de decisão (escassez e afeto/gostar).

“se a persuasão for utilizada falaciosamente, poderemos estar perante uma prática comercial desleal, proibida e punida por lei”

A este propósito, o Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março, que estabelece o regime jurídico aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, no artigo 5.º, n.º1, define que é “desleal qualquer prática comercial desconforme à diligência profissional, que distorça ou seja suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor seu destinatário ou que afete este relativamente a certo bem ou serviço”.

Mais especificamente, o artigo 7.º define, no n.º1, como ação enganosa, a “prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente corretas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja suscetível de induzir em erro o consumidor (…) e que, (…) conduz ou é suscetível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo”.

É «desleal qualquer prática comercial desconforme à diligência profissional»

Para o caso tomado acima como exemplo, podemos enquadrar, através do normativo legal em referência, o uso de princípios-chave de Cialdini, através da mobilização de práticas enganosas, da seguinte forma:

– Artigo 7.º, alínea f) – “A natureza, os atributos e os direitos do profissional ou do seu agente, como a sua identidade e o seu património, as suas qualificações, o preenchimento dos requisitos de acesso ao exercício da atividade, o seu estatuto, ou as suas relações, e os seus direitos de propriedade industrial, comercial ou intelectual, ou os prémios e distinções que tenha recebido” – Princípio da Autoridade;

O Cadeiral da Catedral do Funchal

REDESCOBRIR A MADEIRA O cadeiral da sé do Funchal, neste ano de 2014, em que a catedral e a Diocese fazem 500 anos, encontra-se em obras de reabilitação. Trata-se do único cadeiral manuelino das várias grandes igrejas portuguesas que chegou aos nossos dias no seu local original. Servia para os

– Artigo 8.º (Ações consideradas enganosas em quaisquer circunstâncias), alínea dd) – “Apresentar avaliações ou recomendações falsas de consumidores ou instruir uma terceira pessoa singular ou coletiva para apresentar avaliações ou recomendações falsas de consumidores, ou apresentar avaliações do consumidor ou recomendações nas redes sociais distorcidas, a fim de promover os produtos” – Princípio da Validação/Prova Social;

– Artigo 12.º (Práticas comerciais consideradas agressivas em quaisquer circunstâncias), alínea h) – “Transmitir a impressão falsa de que o consumidor já ganhou, vai ganhar ou, mediante a prática de um determinado ato, ganha um prémio ou outra vantagem quando não existe qualquer prémio ou vantagem ou quando a prática de atos para reclamar o prémio ou a vantagem implica, para o consumidor, pagar um montante em dinheiro ou incorrer num custo” – Princípios do Compromisso e da Coerência/Reciprocidade;

– Artigo 8.º, alínea i) – “Declarar falsamente que o bem ou serviço está disponível apenas durante um período muito limitado ou que só está disponível em condições especiais por um período muito limitado a fim de obter uma decisão imediata e privar os consumidores da oportunidade ou do tempo suficientes para tomarem uma decisão esclarecida” – Princípio da Escassez.

“Robert Cialdini é professor de psicologia e marketing na Universidade do Arizona e apresentou, no seu livro INFLUÊNCIA”

Temos assistido a uma crescente sensibilidade por parte das instituições e dos legisladores europeus à economia comportamental e aos conhecimentos que advêm da ciência psicológica, através de legislação que se tem produzido, no sentido de contribuir para a prossecução do objetivo europeu de assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores, pese embora estes continuem a carecer de maior proteção, relativamente a práticas comerciais que exploram, de forma cada vez mais astuta, vulnerabilidades emocionais e cognitivas do processo de decisão, quer em ambiente físico ou digital.

A boa notícia é que não estamos condenados a ser manipulados por estes princípios e, compreendendo-os, estaremos mais aptos a analisar criticamente o que nos é pedido ou oferecido, e agirmos de forma mais fundamentada, num mundo em que as opções de escolha são inúmeras e as formas como são apresentadas colocam à prova as nossas capacidades mais racionais.

Gonçalo Moura
Direção de Serviços do Consumidor
Com fotografia da Oficina Firmbee.

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