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A celebração dos casamentos

Na relação esponsal entre as pessoas só o amor é que conta. Por isso, todas as formas de relação deviam ser consideradas Sacramento. Eis o que disse Jesus: «Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amo» (João 15,12). Tudo dito. O amor é o essencial. Não está dito qual a forma ou formas de concretização do amor. O amor basta-se a si mesmo.

Sobre esta minha convicção, o antigo João Paulo II ensinou que «é desta palavra do Senhor que depende a nossa credibilidade de cristãos. E é o próprio Jesus que nos admoesta: ‘É por isso que todos saberão que sois meus discípulos:  se vos amardes uns aos outros’» (Jo 13, 35). Santo Agostinho confirmou-o, do alto da sua sabedoria: «ama e faz o que quiseres».

Ainda Santo Agostinho, grande figura do Cristianismo, acrescentou assim:  «Este é o amor que nos dá aquele que prescreveu: como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros (Jo 13,34). Para isto é que nos amou: para que nos amássemos uns aos outros. E deu-nos a graça, pelo amor que nos tem, de nos estreitarmos uns com os outros pelo amor mútuo e de sermos unidos os membros por tão doce vínculo, o Corpo vivo de tão ilustre Cabeça».

O dom supremo de Deus é o amor. Viver o amor verdadeiro e habitar num lugar onde se é sujeito na vivência do amor, nesse lugar conhecemos, incondicionalmente, a presença de Deus. A condição única de salvação é a vida no amor, que não se consegue por simples meios humanos, como o confirma o Apóstolo São João: «Quem não amar não pode conhecer Deus, porque Deus é amor» (1 Jo 4, 8).

O amor exorciza o medo e torna-nos livres diante do nosso ser e diante dos nossos semelhantes. Perante esta base, o amor é sempre um verdadeiro milagre. É sempre o dom que Deus dá de Si mesmo, é sempre uma experiência divina. Na comunidade de amor que pode ser a nossa, a presença de Deus é-nos oferecida sem preço algum livremente todos os dias. Se nos abrimos a esse milagre, podemos partilhá-lo com os outros em sinal de gratidão.

É que nós gastamos o coração e a inteligência com lógicas matreiras e maquinações interesseiras que nos perdem e nos envolvem no esquecimento fatal da perdição. O coração e a inteligência, segundo a perspectiva de Deus por Jesus Cristo, são para gastar no que é fundamental, no que salva e no que conduz ao Reino de Deus ou, se quisermos, naquilo que nos faz felizes. Alguém proclamou que «quem economiza amor, morre pobre».

O amor de Deus é forte como a morte, dirá o Cântico dos Cânticos e onde não há amor ponha amor, dirá São João da Cruz. Pois, então, que melhor caminho pode delinear para nós próprios senão estes que requerem de nós um bom uso da liberdade, da inteligência, da alma e do coração.

Não devemos entregar-nos ao amor como se fosse um negócio com regras e condições, mas como o único modo que nos identifica com Jesus, o nosso mestre. William Shakespeare disse-o assim: «é um amor pobre aquele que se pode medir». O amor padronizado não existe.

Desta forma compreendemos que o amor não é moeda de troca que requer condições, mas algo que nos envolve por dentro, nos anima e nos carateriza totalmente. Só com esta forma de vida podemos descobrir a presença de Deus, pois Deus é amor como já vimos.

O amor por Deus e pelos outros é um modo de ser, uma vida e um dom que se acolhe como manancial da bondade de Deus, que nos torna grandes não aqui, no lugar da vida. E sempre que não somos amor, matamos Deus ou testemunhamos que Ele não existe mesmo.

Durante mais de 300 anos vigorou, na Igreja Católica, uma intransigência surda e cega perante os fracassos do Sacramento do Matrimónio. O Papa Francisco teve a coragem de mudar alguma coisa (aliás, muita coisa face ao conservadorismo que ainda norteia este assunto dentro da Igreja) relativamente aos casais que tiveram a infelicidade de fracassar quanto ao seu vínculo matrimonial. Foi com grande entusiasmo e alegria que recebi esta novidade do Papa Francisco, que devemos acolher todos, particularmente, os que fracassaram. De outro modo não poderia ser, porque sei do grande sofrimento e tristeza por que passam tantos irmãos e irmãs nossos, porque, na Igreja, eram considerados pecadores e condenados para sempre impedidos de comungar na Eucaristia e até de serem chamados aos diversos serviços da comunidade cristã.

Nem todos os casamentos são iguais. Eis aqueles que conhecemos entre nós: casamento religioso; casamento religioso com efeito civil; casamento civil; casamento na praia; casamento no campo; casamento num espaço interior; casamento dito moderno, isto é, «viver juntos» ou «União de facto»; casamentos homossexuais…

Há quem diga que ir a um casamento é o mesmo que ir a todos. Se a maioria das pessoas que conhecemos fizer uma celebração na igreja e um copo-de-água numa quinta, é possível que todos os casamentos sejam parecidos. Mas se a religião dos noivos não for a católica, se os noivos preferirem casar pelo civil ou se quiserem fazer a festa num local completamente diferente, ao ar livre, então verão que os casamentos não têm por que serem iguais. E os noivos se tiverem dinheiro suficiente podem ter qualquer tipo de casamento que desejem. Quanto maior o aparato, maior deverá ser a bolsa do dinheiro.

Enfim, que fique claro para todos nós. O amor é o único valor digno de ser Sacramento. Por causa disso, Deus deu-se todo, inteiro como sacrifício de morte. Por isso, seria suficiente pensarmos todos assim para que 99 por cento dos nossos problemas ficassem resolvidos, principalmente, tudo o que se relaciona com casamento assim, casamento assado, válido ou nulo, divorciado ou recasado, solteiro ou casado… Toda a forma de relação se condimentada, exclusivamente, com amor e com tudo o que ele implica, seria suficiente para ser Sacramento.

Estamos longe disso, claro… Porque, ao amor se juntaram preceitos e preconceitos que excluíram o essencial da vida, que é amar. Daí toda a tralha de problemas e inquietações que nos consome a existência. Bastava a norma límpida, solta e livre de empecilhos de manias vinda dos frustrados e amargurados da vida, que diz assim: «Amai-vos uns aos outros…» Foi pena que tenhamos deitado fora o essencial em nome do fanatismo de uma pureza impossível, contra a alegria das imperfeições que a criação nos ofereceu.

Por fim, devo dizer para qualquer tipo de casamento, o mais importante é ser feliz. Qualquer forma de vida em comum, precisa de compreensão, compaixão e verdadeira tolerância. Nenhuma forma de vida em casal é perfeita. Até ouso dizer, habitualmente, que a vida em casal pode destruir-se todos os dias, mas também todos os dias, deve ser reconstruída. A ambos é pedido que tenham predisposição mais que suficiente, todos os dias, para que esse trabalho diário seja realizado em nome do amor e da felicidade.

José Luís Rodrigues

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