A primeira aula, a de 1992, no Colégio dos Jesuítas, nunca se repetiu. Depois de outras em colégios e liceus na Bretanha, muitas mais no Liceu, chegou o dia. Olhei para o espelho. Saltos altos ou baixos? Calças de ganga ou vestido como-deve-ser? De narizinho no ar, a respirar os séculos daquelas paredes altas, estremeciam-me os passos no corredor até à sala. Com as mãos brancas de giz, o pó no sorriso contente — já tinha acontecido. Sucederam–se muitas outras aulas. No Aquário da Bela Santiago e até à Penteada. Até hoje, sempre a mesma teimosia: a de serem únicas. Cada aula é uma primeira aula, um prazer de descoberta, de partilha — eles, os alunos, tão generosos e nem sabem. Em todas, o olhar pousado e sonhador, habitado por eles (como ser professora? ensinar).
Levava comigo o encanto e respeito por alguns dos professores — enquanto aluna: o prazer e o espanto de ver mais — a ópera, para além do rock; o simbolismo de fim de século, de Gustave Moreau a Odilon Redon, e não apenas as linhas de Mondrian; as viagens de Proust e de Celine; as ilhas de Robinson e de Tournier e não mais as que se apontam em mapas; Les Chats de Baudelaire pelos olhos e o saber de Strauss e Jakobson; a fonologia do bretão, as estruturas sintáticas das línguas, puzzles onde tudo parece ter o seu lugar – comover-se e compreender outras razões para as coisas. Com os porquês para procurar e preencher. E as aflições – trabalhos, apresentações, exames – lembrar-se dos rascunhos de Flaubert (que nada sai bem à primeira e sem muito ensaiar). A aprendizagem do valor do trabalho e do rigor, num tempo sem computador.
Numa passagem por Timor-Leste, em 2007, encontrei-me nas salas da Universidade Nacional, apenas com um quadro carregado de muitos marcadores, que nem o álcool já apagava, e eles, à minha frente, os alunos que sempre diziam sim — de total respeito pela senhora de pé, a professora — sedentos de compreender e de saber. Um desafio à altura de uma contorcionista que tudo movia — a voz, os olhos e as mãos — para dar a conhecer e agarrar o sim, não aquele outro, mas o do entendimento. Também chegou o momento em que me sentei a ouvir as suas apresentações — pequenas descrições das suas línguas maternas e o uso do alfabético fonético, o alfabeto mágico que fazia escrita e que todos podiam ler. Era possível acontecer, mesmo apenas com um quadro malhado atrás de mim. E esta experiência fulgurante em descobertas fez-se boa amiga daqueles professores que já tanto me tinham dado, na minha memória para ser.
Cada aula é um acontecimento, quase como quem vai cantar um fado, sem muito saber como irá ser Descer à Penteada, a rever pelo caminho, atenta a um melhor exemplo que talvez possa deslumbrar e num click fazer ver o que é.
Agora, cada ponto de Pragmática da Comunicação ou de Linguística Portuguesa mais os artigos e livros em .pdf estão à mão na dropbox. Mas sempre ensinar: para que o mundo salte aos olhos de outra maneira.
Aline, a professora.