Procurar
Close this search box.

“A César o que é de César…”

O título deste texto é, como se sabe, parte da resposta proferida por Jesus Cristo quando questionado, de forma provocatória, sobre a legitimidade de pagar tributo a Roma. Terá dito mostrando a efígie do imperador numa moeda romana: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” O César representado na moeda era provavelmente Tibério, que por adopção herdara o cognome Caesar do seu padrasto, ele próprio também César por adopção. Na origem, Caesar é cognome da família de Gaio Júlio César, célebre general e estadista romano, conhecido entre os mais novos principalmente graças às aventuras de Astérix e Obélix, e provavelmente uma das personagens mais conhecidas da história romana. Conhecida e citada! Todos nós já alguma vez usámos uma das suas célebres frases: “Cheguei, vi e venci!” (em Latim, veni, vidi, vici) ou “Os dados foram lançados” (Alea iacta est), a primeira usada para demonstrar a extrema facilidade de uma conquista, a segunda usada no contexto de uma situação que é irreversível.

Outras expressões que a César devemos serão menos conhecidas mas o seu uso é frequente. Lembremos a tantas vezes mencionada mulher de César, a quem não basta SER séria, é preciso PARECER séria. Poucos, ainda assim, saberão que a expressão – que valoriza a imagem e a aparência, acima da essência – tem origem num episódio da vida conjugal de César. Numa festividade religiosa reservada às mulheres, em honra da Bona Dea, uma deusa associada à fertilidade, e celebrada a 3 de Dezembro, foi detectada a presença de um homem, Clódio, na casa de César, o que levantou suspeitas acerca do comportamento da então esposa de César, Pompeia. Foi Aurélia, a mãe de César e sogra de Pompeia, quem se apercebeu do intruso (por esta razão, sabemos que César não pode ter nascido de cesariana, já que a mãe não teria sobrevivido, na altura, a uma intervenção deste tipo)… Espalhado o boato, que foi aproveitado pelos inimigos políticos quer de César quer de Clódio, meses depois e já divorciado de Pompeia, ao perguntarem a César em tribunal por que razão se divorciara da esposa, terá dito, de acordo com Plutarco: “porque considerei que a minha esposa não deve suscitar suspeitas”. Quer se tivesse tratado de uma estratégia política, quer tivesse sido uma justificação conveniente para o divórcio, o que é certo é que para a esposa de César nunca mais foi suficiente ser moralmente correcta.

A César devemos também a ideia de que as pessoas acreditam naquilo que querem, tenham ou não razões para o fazerem. A ideia aparece numa das suas obras, A guerra das Gálias (homines id quod volunt credunt). Trata-se, na verdade, de um comentário a uma estratégia militar: César convenceu um gaulês apoiante dos romanos a fingir-se desertor e a transmitir aos gauleses a ideia de que os romanos enfrentavam grandes dificuldades. Entusiasmados com estas falsas notícias, os gauleses, sem questionarem a veracidade das informações, atacaram os romanos que, obviamente, os esperavam e os venceram. Ficou a expressão, como um aviso contra as “inverdades” e contra os “factos alternativos”…

Cristina Santos Pinheiro
Professora da UMa e investigadora do UL-Centro de Estudos Clássicos

DESTAQUES