Toponímia do Funchal: Largo do Encontro
é a paisagem quem traça a memória e exerce o poder que das raízes emana
José António Gonçalves. A vida.
O escritor. Lisboa. 7 (Mar. 1996) 36.
O Largo do Encontro ou, simplesmente, o Encontro situa-se no cruzamento dos Caminhos do Lombo Segundo, da Igreja Velha, de São Roque e da Fundoa (nos dias de hoje, Estrada Comandante Camacho de Freitas). Constitui um ponto de confluência dos moradores da freguesia de São Roque, do concelho do Funchal, onde, nas últimas décadas do século XX, mantinha-se viva atividade comercial.
Neste largo, sobressaía, pela sua traça, um edifício do primeiro quartel do século XX, embora bastante degradado. Foi demolido, pelo Governo Regional da Madeira, em setembro passado, tendo sido alegadas razões de segurança. Apesar de não se tratar de um imóvel classificado, o Encontro perdeu a sua mais significativa memória arquitetónica.
No rés-do-chão da moradia arrasada, funcionou, durante várias décadas, uma padaria, que constituía uma referência da freguesia. Pela configuração arquitetónica do imóvel, em especial pela localização da chaminé industrial, julgamos que teria sido construído de raiz com o duplo objetivo de moradia e padaria.
O estabelecimento de panificação foi fundado em 1930 por Luís Francisco Xavier. Filho de José Francisco Xavier e Francisca de Jesus, Luís nasceu no sítio do Lombo Segundo em 3 de agosto de 1874. Casou, na Igreja de São Roque, no dia 8 de fevereiro de 1902, com Maria da Glória, natural da mesma freguesia e moradora no sítio do Salão, filha de António Gomes Sénior e Joaquina de Jesus, ambos naturais de São Roque. Veio a falecer em 6 de maio de 1944, no sítio do Lombo Segundo, tendo sido sepultado no Cemitério de São Roque no dia seguinte.
A padaria alcançou licença plena de laboração em 1936, depois da imprescindível vistoria e cumprimento das recomendações da Delegação da Inspeção Técnica das Indústrias e Comércio Agrícolas do Funchal. Em 1942, passou a ser explorada pela sociedade comercial Xavier & C.ª Ld.ª, constituída por Carlos Gonçalves, Luís Firmino Xavier e Manuel Vieira. Encerrou no início do século XXI. Anos antes do fecho, funcionou também uma pastelaria no 1.º piso do singular edifício, com porta aberta ao nível da via pública.
Em 2008, a Junta de Freguesia de São Roque, em consonância com a Câmara Municipal do Funchal e o Governo Regional da Madeira, planeou a construção de um Centro Cívico na área do prédio de Luís Francisco Xavier. Desde o início deste processo, não se contemplou, como seria recomendável, a preservação do edifício com inegável valor patrimonial, nem se desenvolveu qualquer diligência no sentido da sua salvaguarda, nomeadamente a classificação como imóvel de interesse municipal, que poderia ter sido iniciada a requerimento da autarquia local.
A Tecnidesenho – Gabinete de Desenho Técnico, Ld.ª elaborou um projeto para um equipamento público, que abrigaria os serviços da Junta de Freguesia, Casa do Povo, Centro de Dia e Auditório, marcado por uma linguagem contemporânea, sem ter em conta o imóvel existente no local, o qual foi publicado na revista Anteprojectos: oportunidades de negócios na construção, n.º 202, de Abril de 2011.
Apesar de, em fevereiro de 2008, na sequência de uma reunião do executivo camarário, presidido por Miguel Albuquerque, com a Junta de Freguesia de São Roque, a imprensa noticiar que a construção do Centro Cívico de São Roque iria arrancar em breve; de o Governo Regional suspender parcialmente, em julho de 2009, o Plano Diretor Municipal para possibilitar a obra; de, em 2010, ter sido declarada de utilidade pública a expropriação dos bens imóveis necessários, com a área global de 2610 m2; de, em novembro de 2011, ter sido celebrado um contrato, por ajusto direto, para o reconhecimento geológico/geotécnico do terreno, neste mesmo ano, foi a sua construção adiada sine die, através da revogação da portaria que consignava os encargos orçamentais para a empreitada, estimada em cerca de 6 milhões e 850 mil euros.
Votado este prédio ao total abandono e frequentado por toxicodependentes, dois incêndios, em outubro de 2011 e maio do ano seguinte, vão contribuir fatalmente para a sua ruína.
A degradação acentuou-se, nos últimos anos, e os que, no passado, idealizaram a sua demolição, vieram logo reclamá-la por motivos de segurança, esquecendo a sua responsabilidade no processo de ruína do famigerado imóvel.
O Largo do Encontro perdeu o edifício que lhe conferia particular identidade. O património da freguesia de São Roque ficou mais pobre, porque, enfim, uma vez mais, quem tinha o dever de zelar pela herança cultural, não deu a devida atenção à memória do lugar.
Nelson Veríssimo
Professor da UMa