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Toponímia do Funchal: Largo do Corpo Santo

Foi a Capela com a invocação do Corpo Santo que deu nome ao largo que lhe fica fronteiro e, em tempos mais remotos, àquela área urbana.

O largo do Corpo Santo é, nos dias de hoje, lugar movimentado do Núcleo Histórico de Santa Maria, rodeado de bares e restaurantes bastante frequentados. A nomenclatura oficial situa-o na Zona Velha do Funchal, classificação, na verdade, pouco rigorosa do ponto de vista da História, por erroneamente sugerir exclusividade, em termos de antiguidade, a esta área, no processo de formação urbana.

No século XV, este sítio era conhecido por cabo do Calhau, cabo aqui no sentido de extremidade ou parte final, ou seja, o extremo oriental do povoado de Santa Maria do Calhau. Com esta denominação surge, por exemplo, num acórdão camarário de 4 de março de 1486.

No ano de 1497, aparece-nos a primeira referência histórica ao Corpo Santo na documentação do município do Funchal. Em 1505, numa carta de sesmaria dada pelo capitão Simão Gonçalves da Câmara ao concelho do Funchal, reafirma-se o Corpo Santo como topónimo, na alusão a limites: do “calhau de São Lázaro até o Corpo Santo”.

Foi a Capela com a invocação do Corpo Santo que deu nome ao largo que lhe fica fronteiro e, em tempos mais remotos, àquela área urbana. Já não é a capela primitiva, mas um edifício do século XVI que conserva a sua traça arquitetónica.

O Corpo Santo é São Pedro Gonçalves Telmo. Natural de Palência, Espanha, nasceu nos finais do século XII, cerca de 1190, e faleceu em Tui, no dia 14 de abril de 1246.

Na costa ocidental da Península Ibérica era grande a devoção a São Telmo, associada a Pedro Gonçalves, provavelmente na sequência da tradição mediterrânica do culto a Sant’Ermo ou Sant’Elmo, um mártir cristão, patrono dos marinheiros. Entre as gentes do mar, nasceu a designação de fogo-de-santelmo para a descarga elétrica luminosa na atmosfera, geralmente em ocasiões de forte trovoada, que era interpretada como sinal de bom augúrio e presença do santo protetor anunciando a bonança junto dos mareantes, nas situações de iminente perigo.

Abundam referências a este fenómeno na literatura, em particular, nos relatos de viagens e na poesia. Célebre é a alusão de Camões ao fogo de santelmo no Canto V d’Os Lusíadas:

Vi, claramente visto, o lume vivo
Que a marítima gente tem por santo
Em tempo de tormenta e vento esquivo,
De tempestade escura e triste pranto.
Não menos foi a todos excessivo
Milagre, e coisa, certo, de alto espanto,
Ver as nuvens do mar com largo cano
Sorver as altas águas do Oceano.

Em muitos portos marítimos portugueses foram instituídas confrarias do Corpo Santo, com o respetivo templo. Na Madeira, está documentada a sua existência no Funchal, Câmara de Lobos, Calheta, Ponta do Sol e Santa Cruz.

As Confrarias visavam práticas religiosas e o exercício da caridade. No caso concreto, a Confraria do Corpo Santo funcionava como uma espécie de associação de socorro mútuo, sobretudo de marítimos.

Sob a invocação do Corpo Santo, pescadores e mareantes buscavam a proteção espiritual necessária para o confronto, quase diário, com o poder imprevisível do mar.

Nelson Veríssimo
Professor da UMa

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