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Estórias do Arco da Velha

DESPEDIDA

– Pensei que fosses para sempre minha.

– Pensaste mal.

– E é assim? Acabas como se fosse uma coisinha qualquer?

– Há outras maneiras de acabar?

– Há. Claro que há.

– Como?

O silêncio pesou entre os dois. Ela alisou o cabelo com as mãos e ele afagou o pescoço. Uma dor de cabeça remoía ambos. A noite acabara de cair e o parque encontrava-se deserto.

– Já não gostas de mim?

– Gosto.

– E então? Não precisamos acabar só porque vais para outro lugar. Podemos tentar…

– Nem tu nem eu gostamos de relações à distância.

– Eu sei. Mas… nunca passei por isso. E agora que estou nessa situação, sinto que seria capaz de enfrentar anos de ausência se tivesse a certeza de que ficaríamos juntos.
– Sabes bem que não é assim…

Ela levantou-se do banco e encostou o corpo triste à pequena grade de ferros que separava o caminho do lago. Sentiu a respiração desconsolada dele e fechou os olhos. Desejava que nada daquilo pudesse acontecer. Mas aconteceu e a escolha estava feita. Uma lágrima abandonou o olho e deixou-se escorregar pela sua bochecha. Virou-se em direcção a ele e encarou-o. Também chorava, com as mãos a cobrirem o rosto e a garganta a engolir nós de amargura. Sentiu uma dor trucidante por vê-lo assim. Era capaz de encarar a sua própria infelicidade mas não suportava ver a pessoa que mais amava sofrer daquele jeito. Aproximou-se dele e ofereceu o seu abraço. Ele cedeu. Choraram juntos, ele no peito dela, ela no ombro dele. Não se olharam. Limitaram-se a amparar a queda do outro e a desabafar num choro calado, que só eles conheciam. O tempo passou, a lua colocou-se por cima das suas cabeças e brilhou. Eles secaram as lágrimas e enfrentaram-se. Os olhos dela reflectiam uma limpidez nua. E ele encontrava-se mais bonito que nunca. Sorriram sem, no entanto, esconder a dor da separação.

– A minha mãe sempre disse que o que é nosso, a nós irá bater.

– Espero que a tua mãe esteja certa.

Passou a mão grande pelo rosto pequeno dela e sorriram novamente. Ela entreabriu os lábios e pediu, com as pestanas compridas e sedutoras que batiam como asas de uma bonita borboleta, um beijo. O último beijo. Ele não pensou duas vezes. Encostou o corpo ao dela, puxou-a pela mão e sentou-a no seu colo. Beijaram-se eternamente, absorvendo sabores e cheiros, guardando sensações e sentimentos, procurando o último tesouro escondido. Amaram-se sabendo que no instante a seguir chegaria a guerra. Aos prazeres juntaram-se as lágrimas. Aos suspiros juntaram-se as súplicas. Ao correr do vento juntou-se o bater dos corações. Deram as mãos e olharam no fundo da alma. Um olhar que lambeu feridas e remendou cicatrizes mas que não curou.

– Sê feliz.

– Tu também.

– Tenho aqui duas moedas. Queres atirá-las comigo ao lago e pedir um desejo?

– Pode ser.

Ele colocou a moeda na mão dela e apertou a sua. Jogaram-nas juntos e lançaram os seus desejos ao ar. Não pediram para ficarem juntos. Pediram, somente, que o que fosse deles, a eles fosse bater.

Valentina Silva Ferreira
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

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