Plantas endémicas da Madeira estudadas para combater a Diabetes

Plantas endémicas da Madeira estudadas para combater a Diabetes

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Joana Pinto é uma jovem investigadora do Centro de Química da Madeira, a realizar o seu doutoramento. No âmbito do seu trabalho, dedica-se a trabalhar com compostos que poderão estar na base de novos tratamentos para uma das mais problemáticas doenças do mundo moderno, a Diabetes.
Joana Pinto, investigadora do Centro de Química da Madeira.

Unidade de investigação de excelência sediada na Universidade da Madeira, o Centro de Química da Madeira é uma referência internacional na pesquisa em Química, um polo de divulgação científica e um espaço onde jovens investigadores iniciam as suas carreiras. Entre eles, encontra-se Joana Pinto, doutoranda que tem focado o seu trabalho à procura de compostos que possam ser usados no tratamento da Diabetes. Alguns desses compostos são encontrados no café ou em plantas endémicas da Madeira como a perpétua de São Lourenço (Helichrysum devium), encontrada na Ponta que lhe dá o nome.

De que forma é um composto pode ajudar o ser humano na prevenção ou no combate a uma das doenças que afeta mais de 500 milhões de pessoas, segundo dados da Organização Mundial de Saúde?

Vários estudos evidenciam que os ácidos acilquínicos (compostos resultantes da ligação éster de ácidos fenólicos com o ácido quínico) possuem benefícios ao nível da saúde, nomeadamente no controlo da Diabetes Tipo 2. Porém, ainda não é bem conhecido o mecanismo pelo qual estes compostos exercem a sua ação no organismo. Alguns estudos demonstraram que o café (rico em ácidos cafeoilquínicos) reduz os níveis de glucose pós-prandial através da modulação do metabolismo da glucose e outros mecanismos que deverão ocorrer a nível intestinal (onde ocorre maioritariamente a absorção da glucose).

Assim, o principal objetivo do meu projeto de doutoramento é estudar um grupo restrito de compostos bioativos: os ácidos acilquinicos e a sua ação ao nível das enzimas e microbiota intestinais. E assim, tentar compreender o mecanismo pelo qual estes compostos actuam. Idealmente, estes compostos deverão inibir enzimas importantes no metabolismo dos hidratos de carbono e/ou os transportadores de glucose, diminuindo assim, a biodisponibilidade ou até mesmo a absorção da glucose.

Do ponto dos pacientes em tratamento, de que tipo de produto resultante desta investigação estamos a falar: novas tecnologias de tratamento, novos fármacos, novos alimentos? Como e por quem poderá ser empregado?

Estamos ainda no início da investigação, neste momento contamos apenas com estudos muito preliminares.

O primeiro passo foi a colheita de plantas que se conheciam ricas em ácidos acilquínicos, algumas delas endémicas (Helichrysum melaleucum e devium e Cynara cardunculos var ferocissima). Seguiu-se a extração destes compostos e a sua identificação através da técnica de cromatografia líquida acoplada a detetor de massa. De acordo com esta análise, será feita a seleção das plantas mais interessantes do ponto de vista do conteúdo destes compostos e posteriormente serão feitos ensaios in vitro, para avaliar a capacidade de inibição dos extractos sobre algumas enzimas e ainda perceber a interação entre os compostos e a microbiota intestinal.

Temos a possibilidade de consumir estes compostos, já que estão disponíveis em alguns alimentos que consumimos diariamente. Porém, ao consumir sob a forma de alimentos contamos com a interação de outros compostos que poderão potencializar ou mascarar a atividade destes compostos. Justificando assim, o facto de se fazer a extração e querer estudar apenas esta classe de compostos.

Os resultados destes ensaios irão ditar a forma como poderão ser, posteriormente, utilizados.

A farmacêutica e a alimentação são dos setores mais importantes da indústria e dos que maior valor social conseguem ter junto do consumidor pela sua natureza. Como vê a aposta nesta área da investigação em Química no nosso país?

A investigação é uma ferramenta importante no desenvolvimento de qualquer área e em especial na Química. Neste momento há uma maior aposta relativamente há uns anos. Tenho a sorte de ser contemplada com uma bolsa de formação avançada por parte da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), o que significa que há investimento e interesse. Contudo ainda há muito trabalho a fazer, principalmente no que concerne ao pós formação. É importante assegurar a integração deste pessoal qualificado nas instituições, sejam públicas ou privadas, nomeadamente pela criação de empregos científicos.

Pela experiência de doutoramento que está a ter, o que pode ser importante salientar aos estudantes que estão a pensar seguir para esse ciclo de estudos?

O doutoramento é das experiências mais desafiantes que já experienciei. Inicialmente desenhamos um plano, que quando descrito no papel faz todo o sentido e aparenta ser perfeito. Com o decorrer do trabalho, vamos percebendo as lacunas desse plano e o quão ambiciosos somos. Considero importante a capacidade de adaptação, habilidade de resolução de problemas e tomada decisões e muito, muito importante um espírito crítico.

No meu caso, estava dependente de um equipamento de cromatografia líquida, para analisar os extractos das plantas, que, infelizmente, não estava operacional no momento dessa análise. Até que, surgiu a oportunidade de fazer um Erasmus + Traineeship, na Universidade de Jaén, onde um equipamento semelhante estava operacional. Esta experiência, para além de enriquecedora a nível pessoal e profissional, proporcionou o avanço do trabalho prático. Ou seja, tive de me adaptar para não ficar parada à espera de que o equipamento ficasse operacional no CQM.

Neste momento está operacional e é possível dar continuidade ao trabalho aqui. O doutoramento obriga-nos a desenvolver esta capacidade de contornar os problemas, bem como arranjar soluções para os desafios que se vão colocando ao longo do percurso. Isto é essencial para não correr o risco de desmotivar.

Quais os próximos desafios que pretende abraçar?

Estou no segundo ano de doutoramento, por agora e durante os próximos dois a três anos, o desafio será terminá-lo. Este desafio já foi abraçado, depois disso vou deixar que sejam os desafios a abraçarem-me.

Entrevista conduzida por Carlos Diogo Pereira
ET AL.
Com fotografia de Pedro Pessoa.

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