Durante os Jogos Olímpicos é habitual existir a discussão sobre a importância que Portugal atribui ao desporto, tal como acontece enquanto dura o Mundial de futebol. Não existem dúvidas sobre o peso que o futebol detém no nosso país, mas as restantes modalidades desportivas sofrem pela falta de praticantes, de apoio, de projeção e de interesse. Nas Universidades, o desporto pode ser interpretado como uma ciência secundária, sem a importância de outros campos do conhecimento.
No espetro desportivo, nos últimos meses, temos assistido à discussão sobre os problemas do Campeonato do Mundo de Futebol, no Qatar. Atentados claros contra os direitos humanos, a inexistência de condições elementares de trabalho e as restrições de liberdade de imprensa são os temas mais frequentes quando se escreve sobre a prova. A FIFA voltou a desconsiderar o poder que o futebol tem na promoção dos valores que clama defender, circunscrevendo a prova a uma visão meramente financeira, ainda que sob uma capa de espírito desportivo.
“restrições de liberdade de imprensa são os temas mais frequentes quando se escreve sobre a prova”
Da mesma forma que os ambientalistas travam uma luta, muitas vezes, solitária, quem defende os valores basilares relegados ao esquecimento pela Federação que tutela o futebol internacional, entra num combate pouco efetivo. Não haverá muitos adeptos que se mostrem simpatizantes da quebra de princípios com que a organização pactuou, mas os efeitos práticos no campeonato serão ténues. Não está apenas nos adeptos a responsabilidade em romper com essa quebra de valores. As federações continentais e nacionais, as várias marcas comerciais associadas ao evento e os governos que apoiam, direta e indiretamente as seleções, terão um papel importante na legitimação dos atropelos e dos crimes que estão associados ao evento.
A primeira competição mundial do futebol a ser organizada no mundo árabe seria uma oportunidade para o intercâmbio de culturas, considerando a riqueza que essa região reúne. Defender o respeito pelos princípios dos direitos da humanidade não é a imposição de um modelo ocidental sobre a cultura da península arábica. Não devemos, contudo, acreditar que o Estado do Qatar, sendo um território confessional, tem a prerrogativa de sobrepor direitos elementares pela existência do direito islâmico. Na Europa, o Reino Unido é outro Estado confessional, não sendo essa característica, vista sinónimo de desrespeito. O jogo justo, que a FIFA defende, não pode estar limitado aos relvados, nem a federação pode alegar isenção política para permitir atropelos aos valores fundamentais da humanidade.
“O jogo justo, que a FIFA defende, não pode estar limitado aos relvados”
A discussão que o Mundial tem espoletado é sinal de que as prerrogativas que o futebol gozava não são, felizmente, garantidas. No debate sobre a prova, o desporto tem a oportunidade de angariar mais adeptos que não estejam apenas interessados nos golos da seleção nacional. As modalidades não precisam despertar unanimidade na população, paixões unitárias ou massas avassaladoras. O desporto deve, primando sempre pelos valores da sociedade moderna, encontrar um papel duradouro nas nossas vidas. Dessa forma, os seus profissionais, dentro e fora das Universidades, terão o seu papel reforçado, a sua missão assegurada e os seus princípios defendidos.
Ricardo Freitas Bonifácio
Presidente da Direção da ACADÉMICA DA MADEIRA
Com fotografia de Pedro Pessoa.