No âmbito da Semana das Artes e Humanidades, foi apresentada no dia 12 de maio de 2022 a Enciclopédia Digital em Estudos Insulares, por Ana Isabel Moniz, investigadora e professora da UMa. Entrevistámos a docente, para conhecer este novo projeto.
Como nasceu a ideia de criar uma enciclopédia em estudos insulares?
A ideia nasceu da vontade de investigar a realidade insular, a vários níveis, nomeadamente a de fazer uma investigação que permita a análise crítica das representações poéticas da experiência da ilha, assim como do potencial poiético e criador do arquétipo “ilha” nas literaturas e culturas insulares. Godfrey Baldacchino afirma que, nos nossos dias, cerca de 10% da população mundial (600 milhões de pessoas) vive em ilhas, sejam tropicais, de clima moderado ou polar, numa área que ronda 7% da superfície terrestre. Uma condição geográfica natural que poderá contribuir para a existência de uma eventual identidade cultural inerente a um pensamento insular que molda a experiência de quem convive com essa circunstância. O que poderá significar que a condição periférica tende a converter as ilhas em espaços epistemológicos singulares cientes das suas dissemelhanças e especificidades, motivadas sobretudo pela distância geográfica do continente, mas também da própria identidade nacional. É, portanto, um campo vasto de saber que convida à investigação.
Que pesquisa científica fez?
O projecto enquadra-se na área da nissologia, enquanto área de conhecimento dedicada à exploração científica interdisciplinar das temáticas da ilha, da experiência da insularidade e da mesologia dos seus ecossistemas, particularmente focada no cruzamento dos estudos literários com as várias ciências sociais, em particular com a geografia e a história, produzindo, em articulação interdisciplinar, conceitos como o de pensamento arquipelágico, popularizado por Glissant no culminar das suas investigações em torno da experiência insular das Antilhas e da Crioulidade, que via como característica de uma identidade global resultante da condição pós-colonial e pós- moderna da contemporaneidade. É ainda de destacar o pensamento de autores como Gilles Deleuze e Félix Guattari, Grant McCall e Bertrand Westphal, cujos trabalhos em torno da relação afectiva entre o humano, o espaço e o território levou ao desenvolvimento de disciplinas como a geofilosofia, a geopoética, a geocrítica e a própria nissologia. Na mesma linha, a proposta de Elizabeth DeLoughrey para o desenvolvimento da arquipelografia, pensada enquanto proposta historiográfica, e a proposta de Daniel Graziadei, de uma poética insular, a nissopoética, são confluências entre os estudos literários e a filosofia metodologicamente enquadrada na proposta epistemológica dos estudos insulares.
Que desafios encontrou na sua construção?
Nas últimas décadas, os estudos insulares têm suscitado um interesse crescente por parte da comunidade de investigadores de distintas áreas do saber, comprovado pelo aumento do número de publicações e encontros científicos sobre o assunto. Introduzir, nesta área, um modelo de trabalho que privilegia o trabalho digital, de cariz interdisciplinar e em cooperação, implica sempre desafios, não só financeiros, mas também desafios suscitados pelo trabalho realizado à distância. Mas, para já, têm sido desafios que têm valido a pena.
Quem colaborou na realização desta obra?
Neste momento de construção da Enciclopédia, já recebemos colaborações de universidades de diversos países, nomeadamente, Portugal (Madeira, Lisboa, Açores), Inglaterra, Espanha, França, Grécia, Itália, Malta, Noruega, Estados Unidos, Japão e de Instituições/Associações tais como Instituto de Geografia e Ordenamento do Território – IGOT-ULisboa, ISISA – International Small Islands Studies Association, SICRI – Small Island Cultures Research Initiative, Association CALI, França (Bretanha), Institut de Recherche pour le Développement (IRD) UMR Espace-dev, Maison de la Télédétection, entre outros.
Qual considera ser a importância deste testemunho para a comunidade académica e não-académica?
Desenvolver conhecimento em torno das questões relacionadas com heranças, pensamentos, símbolos e lugares das ilhas e insularidades no mundo global.
Acredita que a sua divulgação em suporte digital tenha peso na adesão dos estudantes a essa área de estudo?
Embora tenha a convicção de que o meio digital não substitui totalmente o papel, acredito que, na investigação, o acesso digital permite atingir mais rapidamente os leitores, agilizando a investigação, sobretudo em termos de tempo e de alcance.
Como é que os estudos insulares entraram no seu leque de interesse?
A vida académica tem destes desafios! Ser professor implica não só a parte lectiva de contacto com os estudantes, mas também a de investigação. Daí que integre, como membro investigador, o CEComp, Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A investigação que realizamos para a Enciclopédia Digital em Estudos Insulares inclui a conformada pela Utopia, que tem sido trabalhada no Cluster Viagem e Utopia do CEComp.
Quais são os seus projetos futuros nesta área?
Numa primeira fase, é disponibilizar a Enciclopédia em linha de acesso livre e estabelecer uma rede de trabalho interinstitucional em Estudos Insulares com sede no CEComp/UMa. Numa fase seguinte, pretendemos organizar, em Portugal, uma edição da conferência bianual da ISISA e um volume decorrente desse evento, e obviamente, integrar alunos de pós-graduação e pós-graduados no trabalho científico. Cotamos ainda criar, numa fase posterior, um mapa digital das literaturas e culturas insulares em português.
O que prevê com a divulgação desta enciclopédia para a área dos estudos insulares, e, de um modo geral, para as humanidades?
O estabelecimento de uma rede de cooperação internacional que permitirá a divulgação, no exterior, do trabalho desenvolvido na Universidade da Madeira e no CEComp e, também, a expansão de possibilidades futuras de colaboração a nível internacional. A investigação em Humanidades é também a promoção da humanidade.
Entrevista conduzida por Luís Ferro
ET AL.
Com fotografia de Ahmed Yaaniu.
Nota dos editores: A entrevistada segue a grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.