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O edifício da Sé do Funchal

O projeto da igreja grande do Funchal deve ter vindo nos meados ou finais da década de 80 do século XV, pela mão do novo vigário frei Nuno Cão ou, em finais de 1492, com Marcos Lopes, enviado como escrivão da obra. A igreja só teria sido levantada a partir de então e, mais especificamente, entre 1500 e 1508, quando as paredes estariam levantadas.

As fachadas apresentam-se com panos quase cegos, com a principal com pequeno portal de seis arquivoltas, decorado com elementos vegetalistas e encimado pelas armas de D. Manuel com coroa aberta. O pano central da fachada é totalmente em cantaria vermelha do Cabo Girão, ligeiramente relevado em relação aos laterais e com uma pequena rosácea. A cabeceira apresenta-se também em cantaria aparente, com abside de topo facetado e o absidíolo da capela do Santíssimo rematado por grelha decorada por cruzes de Cristo e grandes pináculos torsos colocados sobre estilóbatos.

Do conjunto exterior ressalta a desmesurada torre sineira, levantada sobre a inicial sacristia, com acesso exterior. Na junção superior com o braço do transepto, resiste uma gárgula em forma de canhão de face helicoidal, por ventura a única que resta da campanha original do edifício. A torre elevando-se a cerca 55 metros de altura, com quatro pisos, é rematada por coruchéu quadrangular piramidal revestido a azulejos sevilhanos.

Estamos assim, nas linhas gerais exteriores, longe daquilo que depois denominamos por manuelino, só vagamente visível no coroamento das capelas colaterais da cabeceira, coruchéu da torre e em alguns apontamentos escultóricos dos capitéis das janelas. O mesmo não se passa no interior, com uma erudição totalmente diferente e que um muito especial equipamento da responsabilidade régia projeta para o que de melhor se levantou no território português nessa época.

Partindo de um projeto de uma igreja comum, ao nível da planta apresenta as medidas e proporções das sés continentais, parecendo assim ter sido à partida já concebida com esse destino. Para além da excecional qualidade técnica das finas colunas dos cinco tramos de apoio da arcaria, o projeto configura-se e individualiza-se ainda por uma muito larga nave central, que termina quase sem definir o cruzeiro e um também muito largo transepto, o mais amplo de todas as sés portuguesas. O interior da sé do Funchal apresenta-se como profundamente manuelino, com elegantes e altas colunas, com decoração mais exuberante nas mísulas dos arcos junto do transepto.

A catedral do Funchal resulta assim numa edificação clara e luminosa, na inteligência da aplicação dos materiais locais que singularizam o modelo corrente português da arquitetura chã, despojada, repetida e apurada na infinita variação local de igrejas comuns. O aumento da dimensão da nave central e do transepto apontam já um decidido propósito real de a tornar sede do bispado. A cobertura das naves e do transepto por um magnífico conjunto de tetos mudéjares, o mais monumental que chegou aos nossos dias em Portugal, a montagem na capela-mor de um aparatoso políptico e de um cadeiral, também os únicos conjuntos entalhados que desta época chegaram até nós no seu local original, evidenciam decididamente o propósito manuelino de uma igreja primaz das Índias, sede dos descobrimentos portugueses.

Rui Carita
Professor da UMa

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