– Espelho meu, espelho meu, haverá alguém mais bonito do que eu? – pergunta Manuel diante do antigo espelho. Era o único objecto naquela sala.
– Duvido que te responda… Para além disso eu sou mais bonito – responde Luís, com um piscar de olhos.
– Vou explorar o resto da casa. Vens?
– Já vou… Manuel sai e Luís coloca-se diante do espelho. Poderia não ser o homem mais bonito do mundo mas era, de facto, o mais interessante daquela zona. Agora que o tio solteiro morrera e lhe deixara aquela mansão, sentia-se realizado. Só lhe faltava uma coisa. Deixar de visitar o Dr. Teles, de tomar aquela medicação e de ter aqueles momentos ruins. É isso que queres?, pergunta o seu reflexo sem, no entanto, se mexer.
Luís cede, dando um passo atrás. Luís, o reflexo, continua no mesmo sítio, de sorriso nos lábios e uma mão encaixada na algibeira das calças.
– Quem és tu? Luís, Luís, Luís… já te esqueceste por quê que vais uma vez por semana ao Dr. Teles?
– Não, não esqueci. Luís olha para o reflexo e, como um clique que se instala no cérebro, entende. – Tu és eu, o meu outro eu? Sim. Destrói–me, destrói-me e a tua vida será perfeita. Sem pensar duas vezes, Luís atira-se ao espelho que se desfaz em pedaços, como um castelo de cartas que cai numa sala com correntes de ar; como um puzzle que não quer ser montado.
– Luís?! Que te deu na cabeça em partir o espelho? No testamento dizia que se, por um acaso, o espelho partisse, tu perdias a casa… Oh Luís, que foste tu fazer?
Valentina Silva Ferreira
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra