Abandono e desistência no ensino superior

Abandono e desistência no ensino superior

Mensalmente, a ACADÉMICA DA MADEIRA tem um espaço de opinião no JM Madeira. Este mês, escrevemos sobre os desafios de promoção do sucesso académico.

Muitos estudantes abandonaram ou desistiram do seu percurso académico, são fenómenos discretos, muitas vezes sem ser notado, mas com um impacto profundo na vida de quem o vivencia.

A desistência e o abandono são mais frequentes do que possamos pensar, e, com um novo ano letivo a decorrer, devemos continuar a estudar estas matérias. Desta forma, é importante esclarecer os conceitos. O processo de desistência acontece quando um estudante apresenta, formalmente, à instituição a sua vontade de sair. Já o abandono é mais difícil de ser detetado, pois acontece quando o estudante deixa de frequentar o ensino e não renova a matrícula no ano seguinte. Com o número de estudantes inscritos no ensino superior a aumentar anualmente, a taxa de abandono e desistência continua com um valor crescente. Em 2023, foi de 11.1% nas licenciaturas e 26.9% nos cursos técnicos superiores profissionais, segundo os dados do InfoCursos.

Existem vários fatores que levam os estudantes à desistência e ao abandono. Portugal é dos países da Europa com maior carga horária média letiva semanal, registando um valor de 21 horas semanais. Este número excessivo pode levar muitos estudantes, sobretudo trabalhadores-estudantes, percam motivação para continuar com os seus estudos, pois torna-se difícil conciliar a vida fora do quadro letivo com as responsabilidades escolares.

Na Universidade da Madeira, além do número excessivo de horas letivas semanais, ainda temos um calendário que muitas vezes não permite que os estudantes descansem na pausa entre o primeiro e o segundo semestre. Mesmo não sendo uma época de exames, é recorrente haver muitos momentos de avaliação na primeira semana de janeiro. Depois de um semestre trabalhoso, não é benéfico para o estudante ter um período de descanso muito curto ou nulo.Estas horas letivas e o calendário escolar têm uma explicação. Antes do 25 de Abril, tínhamos quatro mil estudantes e quatro universidades, e seguíamos um modelo de acesso elitista. Em 2024, temos cerca de 30 Instituições de Ensino Superior (IES) públicas e mais de 400 mil estudantes. Houve uma massificação do ensino superior em Portugal, mas ainda estamos longe do modelo ideal que permita aos estudantes possam frequentar, usufruir e concluir o ensino superior.

Embora haja cada vez mais bolseiros, o valor atribuído pelas bolsas de estudo pode não conseguir abranger todas as despesas que um estudante necessita para continuar a frequentar o ensino superior, não contribuindo para a frequência neste nível de ensino. Em março, o OBSERVATÓRIO DA VIDA ESTUDANTIL, da Académica da Madeira, tem realizado o Inquérito Anual aos Estudantes. Dele se apurou que quase metade dos estudantes inquiridos considera que as propinas continuam a ser um entrave na frequência do seu curso e mais de 30% costuma ter dificuldades para cobrir todas as despesas mensais. 66% dos estudantes inquiridos indicou beneficiar de bolsa e 16% deles, apesar de terem concorrido, foi-lhes recusada. A maior parte dos estudantes não se sente integrada no ambiente que frequenta e cabe às Instituições de Ensino Superior (IES) criar programas de integração, conforme tem vindo a ser financiado pelo Governo para promover o bem-estar mental dos estudantes.

A integração no mercado de trabalho é outra preocupação transversal a todos os estudantes, que pode influir no aumento da taxa de desistências no ensino superior. As IES, além dos conteúdos letivos de cada curso, devem recolher dados sobre a sua empregabilidade, capacitando estudantes e futuros estudantes que permitam nortear melhor o seu futuro e aumentar o sucesso de frequência e conclusão dos seus cursos.

Tem que haver maior aposta no combate à desistência e ao abandono do ensino superior, para que este valor se torne um número residual. Tem que haver financiamento do Governo nesse sentido. Mas as IES não se podem limitar ao financiamento que lhes é dado. Muitos dos problemas não precisam de fundos para serem resolvidos, basta vontade em proporcionar um ambiente de equidade e tranquilidade a todos os que por ele passam.

Ricardo Freitas Bonifácio
ET AL.
Com fotografia de Redd Young.

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