Com centenas de docentes na UMa, apenas cinco se tinham inscrito para formação sobre inovação pedagógica

Com centenas de docentes na UMa, apenas cinco se tinham inscrito para formação sobre inovação pedagógica

O Programa de Promoção de Sucesso e Redução do Abandono no Ensino Superior financia várias instituições portuguesas. Segundo o ministério, “em fevereiro, 6,6 milhões de euros beneficiaram projetos em 24 instituições de ensino superior públicas e privadas".

A ET AL. publica a segunda parte da entrevista com Custódia Drumond, Vice-Reitora para a Área Académica, sobre o Programa de Promoção de Sucesso e Redução do Abandono no Ensino Superior na Universidade da Madeira.

A UMa conseguiu agora um financiamento para combater os fenómenos do abandono e da desistência escolar, esse projeto iniciou-se no final do ano letivo passado e prolonga-se até novembro até ao final de 2024. O projeto prevê um estudo da atualidade para entender quais são as causas do abandono e da desistência?

Nós fizemos o levantamento dos valores dos dois indicadores que o projeto prevê, correspondentes aos dois últimos anos letivos. Aquilo que se constatou foi que esses valores têm diminuído. Portanto, em termos de percentagem, tem havido um decréscimo nas renovações do primeiro para o segundo ano do curso e na média dos ECTS aprovados pelos estudantes do 1.º ano.

Nós queremos inverter ambas as situações. Nós queremos olhar para os dados que temos do último ano letivo, analisar o que aconteceu em termos de abandono e desistências e, ao nível do observatório, decidir quais os dados e indicadores que devemos acrescentar à plataforma que nos possam ajudar a detetar vários tipos de situações de estudantes que possam estar a correr o risco de abandono para podermos ajudar os estudantes e intervir a tempo de evitar o insucesso e, consequentemente, o abandono.

Há projetos no país em que o cenário do abandono escolar e da desistência é previsto utilizando ferramentas de inteligência artificial.

Isso está em estudo. Aqui temos o papel dos informáticos, já se falou um pouco na parte da inteligência artificial, mas é preciso também ter em atenção a proteção dos dados. Portanto, é preciso analisar e ver isto em termos de viabilidade porque o projeto permite a aquisição de uma plataforma, não permite a aquisição de bens duradouros.

E essa plataforma vai ser adquirida externamente, não vai ser construída dentro da instituição?

É externamente, em princípio será em nuvem.

De forma muito geral, como é que vão aplicar o envelope financeiro que foi recebido?

O envelope financeiro será aplicado sobretudo ao nível de recursos humanos. Algumas contratações para apoiar as mentorias por pares, a organização e monitorização das atividades complementares propostas pelos estudantes de anos mais avançados, a formação aos docentes sobre novas metodologias de ensino e inovação pedagógica. Mas o apoio financeiro está associado também a recursos já existentes, porque tivemos de atribuir a muitas das pessoas que estão na universidade, papéis ou tarefas específicas para o projeto e, portanto, há que contabilizar isso. Por exemplo, os diretores de curso vão ter aqui uma atividade que não é habitual, não é contabilizada em horas de serviço docente, mas em unidades de serviço.

Mas são remunerados por isso?

Não. Os professores não podem receber honorários para além do seu vencimento. A mesma coisa para o pessoal técnico ou administrativo. Vamos precisar contratar algum recurso exterior para o desenvolvimento de algumas tarefas que são habitualmente desenvolvidas pelos técnicos da instituição. Portanto, vai haver necessidade de recrutamento de pessoas.

Estamos a falar do recrutamento em que áreas?

Recrutamento, por exemplo, na parte de psicologia e na lecionação de ações de formação aos docentes

A formação dos professores, por vezes, é polémica. No ensino superior, o docente não tem formação pedagógica obrigatória e isso poderá ter algum impacto nos fenómenos de abandono escolar e desistência. É por isso que a universidade está a agir dessa forma?

Essencialmente, as formações são sobre inovação pedagógica.

Porque concordamos que estas devem ser feitas e também porque o próprio programa de promoção contempla esta vertente e lhe atribui bastante importância.

Essa formação vai ser obrigatória?

Não. Já decorreu uma formação e o projeto tem um conjunto 10 formações previstas.

E qual foi a taxa de participação nessa formação que ocorreu?

A primeira teve apenas cinco inscrições. Ela vai ser repetida mais à frente, esperemos que os docentes aproveitem esta oportunidade. Quem participou deu “feedback” muito positivo.

E acredita que uma participação de apenas cinco docentes se deve a alguma reticência?

Eu penso que poderá haver, sim. Mas já tive o “feedback”, por exemplo, de uma pessoa que lá esteve e que disse que adorou e que saiu enriquecida. Quando temos pouca adesão num evento de qualidade, devemos insistir e é o que faremos.

As ciências da educação, por exemplo, dentro da Academia não podem desempenhar também um papel?

Podem, claro. Só que quando preparei a candidatura contactei o Coordenador do Departamento de Ciências da Educação e ele disse-me que naquele momento não possuíam formações preparadas e, portanto, eu fui buscar fora da UMa e ao Departamento de Psicologia que já tinha algumas em condições de ser oferecidas. O Centro IDEA-UMinho, dinamizará quatro formações, mas vamos ter também docentes nossos em seis formações.

A Professora Margarida Pocinho foi a responsável pela 1.ª formação e que incidiu sobre inovação pedagógica. Vamos ter no dia 18 de outubro a Professora Ana Antunes a falar sobre necessidades especiais que é outro tema muito importante. Ainda teremos a Professora Soraia Garcês. Estas três docentes da UMa são responsáveis por seis formações.

No ano passado tivemos mais de 50 estudantes com necessidades especiais na nossa Instituição e procurámos dar o máximo de apoio possível. Temos consciência de que se para alguns casos é possível ultrapassar dificuldades, há casos em que é muito difícil e mesmo impossível por parte da UMa criar condições específicas, nomeadamente quando se deparam situações onde seria necessário ter técnicos de educação especial.

Desde que haja pelo menos um estudante com necessidades especiais num curso, que peça o estatuto, é criada a Comissão de Acompanhamento desse curso, sendo constituída por um psicólogo, um assistente social e pelo diretor de curso. Através do Diretor de Curso dá-se a interação com os docentes, mas também é estabelecida a comunicação com os serviços, porque estes, quer sejam os académicos, ou os de ação social, têm ou precisam de informações sobre o estudante sempre com o objetivo de o ajudar e, assim, procuramos, em equipa, apoiar o estudante nas várias vertentes possíveis.

O serviço de psicologia tem sido uma peça fundamental no apoio aos estudantes que porventura poderão estar à beira do fenómeno do abandono escolar e da desistência. As consultas, desde o ano letivo 2020-2021, têm sido gratuitas para a comunidade académica e tem existido um aumento das consultas que são prestadas. A saúde mental na universidade é trabalhada por quem, além do serviço de psicologia?

A Universidade da Madeira tem, desde 2009, o Serviço de Psicologia que foi implementado para ajudar toda a academia, embora seja mais vocacionado para os estudantes. Ainda antes da pandemia, creio que foi no ano anterior já se colocou as consultas gratuitas para os estudantes. Para os funcionários e os filhos de funcionários não são gratuitas, têm um preço, embora reduzido. A verdade é que este serviço é estratégico e quando é acedido no início de uma situação de desequilíbrio emocional é prestado um apoio excecional que permite recuperar o bem-estar.

A crença errada de que o serviço de psicologia é só para quem tem problemas de saúde felizmente está a ser desmistificada e os estudantes têm procurado mais a ajuda deste serviço e têm-na divulgado entre os seus pares. O serviço de psicologia não é necessariamente para quem está doente, ajuda também quem quer melhorar as suas competências, quem passa por uma situação pontual de ansiedade, por situações de tristeza e preocupação por enfrentar momentos de dificuldades financeira ou sentimental. O serviço de psicologia tem organizado workshops para desenvolvimento de competências em grupo que permitem o desenvolvimento de competências pessoais e que passam por saber organizar o seu dia a dia, gerir conjunto de tarefas, efetuar apresentações orais, por desenvolver valências importantes que ajudam no desenvolvimento pessoal.

Mas tem também um papel fundamental na parte do apoio através de consultas psicopedagógicas e consultas de psicologia e cada vez mais tem sido procurado e os próprios estudantes que têm sido apoiados têm passado a informação para outros colegas e o serviço tem tido cada vez mais procura. Nós estamos a falar num serviço a quem os estudantes recorrem desde o mês de setembro, quando as aulas começam, até agosto, mesmo quando já estão de férias.

Os dados do Observatório da Vida Estudantil, que foram apurados em 2022, indicam que dos inquiridos, que foram cerca de seis centenas, cerca de metade sentiu necessidade de apoio psicológico. Desse grupo, quase 10% dos inquiridos recorreram ao apoio dentro da instituição e 40% dos inquiridos recorreram a apoio fora da instituição. Se os números fossem diferentes, provavelmente não haveria possibilidade dos serviços darem resposta, não é?

O Serviço de Psicologia tem procurado dar resposta quase de imediato aos pedidos e a universidade tem apostado no funcionamento deste serviço, visto que ele é fundamental para o sucesso dos estudantes.

Mas se um estudante já está a ser seguido por um psicólogo fora da instituição não pode, por uma questão de ética profissional, ser seguido também por outro.

Para aqueles alunos que estão a ponderar ou que possam ponderar, este ano letivo, abandonar ou desistir quais são os conselhos ou as estratégias que podem seguir para tentar contrariar esse sentimento ou essa intenção?

Era bom que essa informação chegasse ao Diretor de Curso, no sentido de que ele se possa inteirar da situação e tente ajudar o estudante, de modo a promover o seu sucesso e impedir o abandono. Temos alguns apoios que podem ser desencadeados, pelos SASUMa (serviços sociais), pelo Serviço de Psicologia, por vós, AAUMa, pelos Conselhos Pedagógicos, pelo Provedor do Estudante, esclarecimentos e apoio pelo Gabinete de Apoio ao Estudante, e até através do recurso a entidades parceiras da UMa.

Muitas vezes um jovem ao chegar à universidade não tem ainda a consciência de que a nossa vida é feita de avanços e recuos, que é normal o sucesso mas também a desilusão. As dificuldades são para serem transpostas, não para abandonar os nossos objetivos. Perante a dificuldade convém parar, refletir, buscar ensinamentos e se não pudermos avançar sós temos que procurar ajuda. A Universidade da Madeira quer ajudar os seus estudantes a atingirem a sua formação e a sua realização académica alicerçada numa formação integral. Precisamos ter presente ao longo da nossa vida que a vivência de uma situação de desespero, dependendo da nossa atitude, pode converter-se numa realização muito melhor do que aquela que tínhamos no início. A boa solução nunca é voltar as costas aos problemas, mas enfrentá-los e forma racional, mantendo a calma, se necessário com ajuda.

Lembremo-nos também que o sucesso do estudante é o sucesso do seu curso e da sua instituição. Um estudante que faz das suas batalhas um caminho para atingir os seus objetivos vê a sua vida estruturada com um propósito e, vai adquirindo maturidade que o preparará para assumir um papel na sociedade onde está inserido ou onde se pretende inserir. A resiliência é uma peça fundamental nesse percurso onde se alcança o sucesso.

Ou seja, o diretor de curso será sempre um principal interlocutor nesse processo?

Era bom que o estudante se ligasse ao diretor de curso, porque o Observatório do Estudante [da UMa] vai interagir com o diretor do curso. Mas também se o estudante se associar às mentorias por pares, poderá ser apoiado não só por um estudante de ano mais avançado, mas por outros tipos de meios, desde que interaja e manifeste tal vontade. Vamos estar atentos e vamos criar formas de apoios. Se os estudantes derem a conhecer a sua realidade e solicitarem ajuda estaremos cá para os apoiar

A entrevista teve lugar no Colégio dos Jesuítas do Funchal, a 4 de outubro de 2023. Por opção da Universidade da Madeira, o conteúdo da entrevista, gravada com autorização e posteriormente transcrita, foi alterada, em diversas partes, não correspondendo ao que foi originalmente captado. A Universidade da Madeira fez alterações profundas ao que a Vice-Reitora afirmou. Por exemplo, sobre as estratégias que os estudantes podem seguir, a Vice-reitora apenas respondeu: “Era bom que essa informação chegasse aos diretores de curso”, claramente diferente de todo o discurso que foi adicionado na resposta acima.

Entrevista conduzida por Luís Eduardo Nicolau
e Carlos Diogo Pereira
ET AL.
Com fotografia de Viktor Forgacs.