A Predominância do Género Feminino

A Predominância do Género Feminino

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A Predominância do Género Feminino nos Cursos de Formação de Professores em Educação Infantil

Estudo de caso na Universidade da Madeira

Apesar da igualdade de género2 se encontrar legalmente formalizada, a sua real concretização, entendida como igualdade de uso, não permeia as práticas sociais, pelo que os contextos de desigualdade entre homens e mulheres são, ainda, evidentes. De facto, no ano letivo 2018-2019 subsistia ainda uma acentuada discrepância numérica entre os estudantes do género masculino e feminino, matriculados nos cursos de Formação de Professores para a Educação Infantil na Universidade da Madeira (respetivamente, Licenciatura em Educação Básica e Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico). Num total de 110 estudantes matriculados nestes dois cursos, 107 eram mulheres e apenas 3 eram homens. Este facto atesta a feminização da profissão de Professor da Educação Infantil sustentada em argumentos que o entendem “como corolário da natureza feminina, [decorrente] dos processos de socialização e dos papéis sociais atribuídos à mulher [e que] está profundamente enraizada até aos nossos dias, no pensamento coletivo da maioria das culturas” (Correia, 2009, p. 130).

De modo a determinar as perceções dos estudantes acerca deste facto, aplicámos um inquérito por questionário a 18 estudantes, de cada um destes cursos, selecionados a partir de uma amostra por conveniência.

Assim, num total de 36 estudantes inquiridos foi possível apurar que a quase totalidade (94,5%) considerou normal que apenas 3 homens estivessem matriculados naqueles cursos. E justificaram esse facto alegando que os níveis de ensino destinados a crianças permanecem socialmente associados ao papel “maternal” tradicionalmente imputado às mulheres. Acrescentaram que a discrepância entre géneros sempre subsistiu nestes cursos, facto que exemplificaram com as suas próprias experiências escolares na infância onde predominaram professoras/mulheres.

Como medida de incentivo ao ingresso masculino nestes dois cursos, maioritariamente femininos, equacionámos aos inquiridos se consideravam pertinente a implementação de quotas de género, de modo a promover a equidade de género nos profissionais do ensino infantil. Esta proposta obteve reações pouco consensuais:

A dispersão das opiniões patenteou-se entre os estudantes da licenciatura em Educação Básica, do seguinte modo: 8 declararam-se sem opinião sobre esta proposta, 6 concordaram e 4 rejeitaram a implementação de quotas. No mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico 8 estudantes discordaram da introdução de quotas de género para o ingresso nestes cursos, 5 declararam-se sem opinião e 5 concordaram.

Na globalidade, as discordâncias relativamente à implementação das quotas de género, pautaram-se em torno da ilação de que, uma vez que subsiste igualdade formal no acesso aos cursos, tal medida carece de sentido, pois “o acesso é igual para todos independentemente do género” e “se [os homens] não concorrem é por opção.”

Os estudantes que concordaram com a implementação das quotas de género alegaram a necessidade de incentivar o género masculino a candidatar-se a estes cursos, atenuando-lhes “o pouco interesse [em frequentá-los]”. Esta opção foi maioritariamente apontada pelos estudantes de mestrado que consideraram necessário “incentivar […] o género masculino a optar pela área da educação” de modo a trazer “mais professores” [homens] a esta profissão.

Os estudantes de licenciatura consideraram que os estereótipos de género continuam socialmente arreigados ao magistério feminino, facto que se repercute na “fraca vocação dos homens” relativamente ao ensino infantil. Consideram que estes aspetos inviabilizariam a real concretização das quotas de género se as mesmas fossem implementadas, pois entendem que os estereótipos sociais serão sempre preponderantes.

Foi possível concluir que a predominância do género feminino nos cursos de Formação de Professores para a Educação Infantil, já apresentado num estudo recente sobre os caloiros da Universidade da Madeira (Vieira & Nascimento, 2018), enquadra-se na normatização social das experiências sociais que, por tradição, evidenciam a feminização desta profissão.

Neste trabalho, a implementação de quotas de género para o ingresso nestes cursos, por nós equacionada, evidenciou a dispersão de opiniões entre os estudantes. Os que frequentavam o nível de mestrado foram os que mais se opuseram a este propósito argumentando em torno de duas proposições: por um lado, a igualdade de género já se encontra legalmente consagrada no acesso aos cursos, pelo que o seu usufruto decorrerá do livre arbítrio dos indivíduos, e por outro, pela convicção de que os estereótipos sociais irão sempre sobrepor-se a qualquer disposição legal formalmente implementada. Os estudantes que concordaram com a implementação daquela medida justificaram a sua posição alegando a emergência de incentivar o género masculino a candidatar-se a estes cursos, de modo a promover o aumento do número de homens na educação infantil.

Uma vez que as universidades assumem um papel relevante na promoção da mudança social, pois nelas se formam cidadãos, profissionais e professores de todos os níveis da Educação Formal, consideramos que a instituição universitária deve incentivar a mudança pois detém uma “responsabilidade acrescida [e uma] capacidade ímpar, para fomentar a igualdade de oportunidades e a cidadania” (Augusto & Oliveira, 2019, p. 47). Por isso, o ensino universitário e, mais especificamente, a Formação de Professores, não poderá circunscrever-se aos “processos burocráticos [nem às] planificações (…) das aulas” (Mendonça, 2016, p. 110).

Bibliografia

AUGUSTO, A. & Oliveira, C. (2019) “O desafio da igualdade de género no Ensino Superior”. In R. Martins & A. Nascimento (Org.) 31 desafios para o Ensino Superior. pp. 47–53. Funchal: Imprensa Académica da Universidade da Madeira.

CORREIA, A. (2009) Assimetrias de género. V.N. Gaia: Fundação Manuel Leão.
Mendonça, A. (2016) “Didática na formação inicial de professores: caso da licenciatura em educação básica da universidade da Madeira”. In F. Gouveia & M. Pereira. (Org.) Didática e Matética. pp. 102–111. Funchal: CIE-UMa.

Mendonça, A.; Brazão, P; Nascimento, A. & Freitas, D. “Estereótipos de Género entre os estudantes da Formação de Professores em Educação Infantil (0-10 Anos): Estudo de caso na Universidade da Madeira” In Ensaios Pedagógicos, volume 3, número 3 (Set/Dez de 2019), pp. 96-106, Brasil: Universidade Federal de São Carlos.
Disponivel em: http://www.ensaiospedagogicos.ufscar.br/index.php/ENP/article/view/151

Nascimento, A., Mendonça, A., Brazão, P. & Freitas, D. “Gender stereotypes among students of Primary School Teaching and Childhood Education” [ficheiro em vídeo], 26.th International Conference on Learning. Queen’s University, Belfast, UK. 24-26 de julho de 2019. Disponível em: https://youtu.be/4dKYSzylPZ4

Vieira, M. & Nascimento, A. (2018) “Os caloiros da Universidade da Madeira: retratos e alguns desafios”. Research Brief 2018 OPJ. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Alice Mendonça*, Andreia Nascimento**, Paulo Brazão* & Diogo Freitas***
*UMa
** ICS -UL
*** ITi/Larsys/M-ITI

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