“Não é eticamente correto alguém que se licenciou ou tem um mestrado em Engenharia que não está na ordem, dizer, eu sou engenheiro”

A ET AL publica a segunda parte da entrevista a Miguel Branco, Presidente do Conselho Diretivo da Região Madeira na Ordem dos Engenheiros.

No final de março, o Presidente da República promulgou a Lei das Ordens Profissionais, que alterou o regime jurídico das associações públicas profissionais. A diploma trará mudanças significativas, tais como a revisão das condições de acesso às profissões regulamentadas, a introdução de estágios profissionais remunerados e a criação de uma entidade externa para supervisionar os profissionais.

Apostar na tradição… o Caminho de Ferro do Monte

No passado dia 15 de outubro, o Centro Interpretativo do Caminho de Ferro do Monte, no largo da Fonte, foi palco para uma das muitas iniciativas no âmbito do projeto teatral “Estórias a vapor”, que recriou a lembrança do tempo em que o caminho de ferro do Monte existia.

Fique com a segunda parte de uma conversa realizada no início de março de 2023, com Miguel Branco, Presidente do Conselho Diretivo da Região Madeira na Ordem dos Engenheiros.

Quando os cursos deixaram de ser reconhecidos pelas ordens, houve algum debate sobre essa alteração? A avaliação dessa alteração, tantos anos depois, é positiva?

É muito fácil dizer, vocês deixam de reconhecer estes cursos, mas depois vocês absorvem tudo e a Ordem, acima de tudo, garante um selo de qualidade do trabalho que nós fazemos.

Porque as universidades poderiam estar a produzir cursos sem qualidade?

E podem continuar a produzir cursos sem qualidade, mas depois as ordens têm obrigação de os integrar e podemos estar a integrar pessoas de baixas qualificações. Não é o caso, não acontece, porque a avaliação dos cursos também são feitas por pessoas que, de alguma maneira, estão na Ordem mas são feitas em representação de outros organismos e, portanto, quando se reconhece que um curso é de Engenharia, ele já tem na base um currículo que de alguma maneira confere uma garantia que quando se acaba esse curso, tem uma entrada imediata na Ordem. Isto é, mediante a execução de um estágio que é remunerado, porém o estágio subentende, de facto, um período experimental para saber se o exercício da profissão pode ser feita e de seguida a integração natural dentro da Ordem.

Mas considera que essa alteração, depois de tantos anos, a avaliação que faz é uma avaliação positiva?

É, obviamente que sim, e resulta de facto da evolução do processo daquilo que é o ensino superior. Temos agora uma realidade diferente, o ensino superior passou a ter dois ciclos de ensino, um ciclo de três anos, um 1.º ciclo e um 2.º ciclo. Antigamente, quando nós tínhamos mestrados integrados e quando entrava no 1.º ano da faculdade para Engenharia Eletrotécnica, eu ao fim do quinto ano acabava em Engenharia Eletrotécnica. Neste momento, nada me impede que eu tire um curso de design de máquinas com três anos e depois faça um mestrado em Engenharia Química. E, portanto, esses desafios que resultam de facto da evolução dos tempos, são desafios que as ordens têm que se modernizar e adaptar. Foram períodos conturbados de que houve necessidade de adaptação, quer das próprias ordens, quer da própria sociedade e da Academia, para de facto nós podermos continuar a trabalhar sempre com certeza que a Academia será o fim da vida académica de alguém, mas as ordens serão o início da vida profissional dessa mesma pessoa, porque a formação ao longo do tempo deve ser sempre procurada e dada através das ordens.

A Universidade da Madeira tem cerca de 80 alunos a ingressar em Engenharia Informática todos os anos. Depois esse número baixa para os mestrados. Como é que os Engenheiros Informáticos estão na Ordem dos Engenheiros?

Faço a pergunta ao contrário. Como disse, as ordens foram criadas para defender as pessoas que nós servimos. Se alguém se sentir lesado por um trabalho feito pelo Engenheiro, esse alguém pode vir à Ordem e dizer que uma situação foi mal feita, e eu posso, de alguma maneira, sancionar o Engenheiro. Portanto, isto nas Engenharias Civis ou nas Engenharias mais antigas, é perfeitamente normal. De facto, os Engenheiros Civis, quando eu acabei o curso, para poder apresentar um projeto numa Câmara, tenho que estar inscrito na Ordem, tenho que levar uma declaração a dizer que sou Engenheiro Civil, porque a Ordem me reconhece. No caso dos Engenheiros Informáticos, não.

É porque é que não é necessário para os engenheiros informáticos?

Para os Engenheiros Informáticos é necessário, o problema é que o mercado da informática não se reduz apenas e só aos Engenheiros Informáticos. Qualquer pessoa inteligente, com o 9.º ano, com uma empresa aberta, apresenta um programa informático e vende. Mas aquilo que está provado, os valores éticos e deontológicos desse programa, isso é que eu tenho dúvidas. Eu tenho quase a certeza que se de facto o mercado, no sentido lato da Engenharia Informática, tivesse revelado e tivesse lá dentro da Ordem, eu não tinha problemas de cibercrimes e de cibersegurança que tenho neste momento. A mim faz-me impressão, por exemplo, uma grande empresa que tem uma malta de informática que desenvolve programas. Se não houver uma entidade reguladora que, de alguma maneira, saque a carteira profissional de um profissional. Se, de facto, me portar mal, continuo a trabalhar na mesma porque não há ninguém a regular isso e nem está ninguém neste momento preocupado com isso. Por um lado compreendo e apesar disto tudo isso poderá ser necessário a quem quer desenvolver e quem quer ter alguma liberdade. Nós temos que olhar a Ordem como uma relação entre pares. É aqui que eu encontro as pessoas que sabem tanto ou mais do que eu na minha área de especialização e é aqui que encontro os melhores profissionais e quando preciso de ajuda de alguma coisa relacionada com Engenharia, julgo que é aqui que eu devo procurar, porque de facto somos 60 mil membros no país. Acima de tudo, não é eticamente correto alguém que se licenciou ou tem um mestrado em Engenharia que não está na Ordem, dizer, eu sou Engenheiro. Não, eu sou licenciado em Engenharia, sou mestre em Engenharia, mas o título é apenas, e só, dado pela Ordem através duma lei.

Nós, não só na região como no país, ainda temos um défice de engenheiros, de pessoas que integram os vários colégios da Ordem?

Sim. Temos claramente um défice de ensino especializado e técnicos habilitados, um défice de Engenharia e depois também temos outra coisa que são os baixos salários e também podemos falar sobre isso, porque eu acho que isso é importante. É assim, o bastonário da Ordem, ou seja, a pessoa que no fundo foi eleita para dirigir a Ordem dos Engenheiros, tem afirmado várias vezes que as verbas que o PRR contempla, não tem Engenheiros para cumprir tanto dinheiro e podemos pensar que se com um milhão de euros preciso de vinte Engenheiros, se eu tenho agora cem milhões de euros e preciso de duplicar e esses Engenheiros não estão no mercado. Portanto, nós vamos ter que importar mão de obra especializada para poder cumprir essa cadeia de valor. Vou falar um bocadinho mais da minha área, mais uma vez da área de Engenharia civil, não se esqueçam que na Engenharia civil nós temos os Engenheiros que projetam, os Engenheiros que constroem e os Engenheiros que fiscalizam e, portanto, há de facto muitas pessoas que contribuem para o bom desempenho ou para o resultado final de uma obra, não há um Engenheiro para fazer todas essas funções com o tempo que se requer, com a necessidade que se precisa para de facto as coisas terem qualidade.

A ET AL. publicará, nas próximas semanas, a continuação da entrevista ao Presidente do Conselho Diretivo da Região Madeira na Ordem dos Engenheiros.

Entrevista conduzida por Luís Eduardo Nicolau
e Carlos Diogo Pereira
Transcrição feita por Catarina Carvalho Perestrelo
Com fotografia da Ordem dos Engenheiros.