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Concretização do processo de Bolonha na UMa: um êxito sem glória nem alternativa

Em março de 2006, tinha início o atual ciclo noticioso da ACADÉMICA DA MADEIRA com a publicação, por iniciativa de um grupo de estudantes, do Jornal Académico “A UMa é Nossa”. Nesse ciclo de publicações, que receberam vários títulos, foram registadas 90 edições até 2020. O n.º 1 contou com a entrevista do Professor Carlos Nogueira Fino, na qualidade de Presidente do Departamento de Ciências da Educação, e do Professor Nuno Jardim Nunes, enquanto Vice-reitor da UMa.

Os anos 2000, no quadro do ensino superior, tinha a adaptação das Instituições de Ensino Superior (IES) ao Processo de Bolonha em destaque. A legislação de 2006 (decreto-lei 74/2006, de 24 de março, posteriormente alterado pelo decreto-lei 107/2008, de 25 de junho) estabelecia a aplicação imediata aos planos curriculares das IES aos estudantes, prevendo uma adequação que, à data, seria até ao ano 2009.

Em 1998, quatro países assinaram a Declaração de Sorbonne (França, Alemanha, Reino Unido e Itália), defendendo a criação de um espaço europeu de ensino superior. Entendiam o estabelecimento de uma harmonização, com a uniformização de critérios e princípios formais de educação. No ano seguinte, trinta países foram signatários da Declaração de Bolonha. Manifestaram, assim, a sua intenção de se comprometerem a aumentar a competitividade de um Espaço Europeu do Ensino Superior.

Atualmente, 49 países integram a Declaração de Bolonha. A declaração de 1999 acabou sendo complementada com os comunicados de Praga (2001), de Berlim (2003), de Bergen (2005), de Londres (2007), de Lovaina (2009), de Budapeste, de Viena (2010), de Bucareste (2012) e de Yerevan (2015). É habitual que esse conjunto seja, desde o final dos anos 1990, conhecido como Processo de Bolonha.

A ET AL. convidou ambos os entrevistados de 2006 a refletir sobre mais de 15 anos de aplicação do Processo de Bolonha. No Dia da Universidade da Madeira, a 6 de maio, apresentamos o diário eletrónico ET AL. com o primeiro testemunho, do Professor Carlos Nogueira Fino:

A premência da adaptação da oferta formativa ao processo de Bolonha atingiu a Universidade da Madeira em cheio nos finais de 2005, porventura causando mais estilhaços do que em qualquer outra universidade portuguesa.

De facto, o ano letivo de 2005-2006 ficou marcado, na UMa, pela agressividade de um autointitulado Grupo de Bolonha, que se propunha adaptar a Universidade ao espaço europeu de ensino superior através de uma estratégia radical, endossada por um conjunto de personalidades dos meios académicos e empresariais nacionais.

Esse grupo, que tinha o total beneplácito da reitoria, teve acesso aos meios de que precisou para encetar uma forte ação de propaganda interna destinada a afirmar os seus pontos de vista, sem manifestar grande disponibilidade para considerar outras opiniões, quer de dentro da instituição, quer da região onde ela se inseria.

O referido grupo apresentava, como principais endossadores dos seus pontos de vista, personalidades como Belmiro de Azevedo, Sérgio Machado dos Santos, José Ferreira Gomes, Carlos Alves e José Tribolet, entre outras, e, como principal mentor e ideólogo, João Vasconcelos Costa, contratado pela UMa como consultor.

A ideia era aproveitar o ensejo proporcionado pela obrigatoriedade de adaptação de toda a oferta formativa ao sistema de graus preconizado pelo processo de Bolonha, que deveria estar concluída até ao final da década, levando a UMa a adotar um modelo de educação liberal inspirado nas universidades anglo-americanas.

Desse modelo, fazia parte a inclusão de uma componente obrigatória de «educação geral», equivalente a 37,5 ECTS (mais do que um semestre letivo) em todos os cursos, com exceção dos que habilitavam para a docência não superior, bem como a atribuição da mesma ponderação a todas as unidades curriculares, para valerem 7,5 ECTS, cada uma. As licenciaturas passariam a durar 3 anos letivos, 2 os mestrados e 3 os doutoramentos.

A educação geral de 37,5 ECTS e as unidades curriculares de 7,5 ECTS foram o que sobrou da proposta inicial de instituição do modelo de educação liberal na UMa, após a decisão do Senado, cuja votação ocorreu na sequência de ruidosa polémica.

No entanto, a proposta do Grupo de Bolonha, perfilhada pela reitoria na sequência da auscultação das personalidades acima indicadas, incluía o acesso à Universidade para apenas duas grandes áreas (Ciências e Tecnologias ou Artes e Humanidades) e tutores a tutelarem a escolha definitiva dos alunos entre os cursos da área a que tinham concorrido.

A educação geral foi sendo extinta, como se sabe, à medida que os cursos começaram a ser avaliados, na década seguinte, pela A3ES, cuja generalidade das equipas de avaliação ficava perplexa pelo facto de as licenciaturas terem sido encurtadas e, em simultâneo, obrigadas a ceder mais de um semestre para a abordagem de componentes de formação noutras áreas.

Hoje em dia, já não subsistirão vestígios de tal «inovação» na oferta formativa da Universidade da Madeira, mas, de toda a agitação do ano letivo 2005-2006, ainda está acessível o blogue Projecto Bolonha UMa – Proposta de Adaptação da UMa ao Espaço Europeu de Ensino Superior, criado pelos proponentes da educação liberal, onde os interessados por estas coisas da arqueologia académica poderão encontrar interessantíssimos elementos informativos*.

Na realidade, e apesar de todo o voluntarismo, a possibilidade de revolucionar a organização da educação superior portuguesa nunca esteve nas mãos de uma universidade, muito menos nas de um grupo de uma pequena universidade periférica, como a UMa.

Nesse particular, além da A3ES, que se veio a revelar como uma espécie de guardiã da nova ortodoxia pós-Bolonha, a produção legislativa, nomeadamente na área da formação dos professores para a educação não superior, elaborada pelos ministros Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato, garantiriam, autoritária e tranquilamente, a homogeneidade do sistema.

Polémicas à parte, não há dúvida de que a Universidade da Madeira logrou concretizar com êxito a adaptação dos cursos que entendeu adaptar, pelo menos no que se refere à organização curricular dos mesmos. Se isso não acontecesse, a agência nacional de acreditação tê-los-ia feito extinguir, pura e simplesmente. Aliás, do conjunto das obrigações impostas por Bolonha, a estrutura dos cursos é o elemento mais facilmente escrutável.

Mais difícil é analisar a transição obrigatória de um modelo de ensino centrado na figura magistral do professor para uma aprendizagem centrada na autonomia dos alunos e a aquisição de competências pedagógicas pelos professores, que os habilitasse à utilização de metodologias ativas, que eram requisitos centrais do processo de Bolonha.

Como se sabe, a esmagadora maioria dos docentes do ensino superior não teve qualquer educação formal habilitante para a docência, e a Universidade da Madeira, que não é exceção, nunca foi capaz (provavelmente porque nunca entendeu que tal era essencial) de proporcionar possibilidades reais de formação pedagógica, em serviço, aos seus docentes. É claro que alguns deles supriram esse handicap por iniciativa própria, mas são incertos o seu número e o grau de fluência pedagógica que terão conseguido.

E, de todo o processo, fica a sensação de oportunidade perdida. Excetuando a estandardização do formato da formação (cinco anos para a conclusão dos dois primeiros ciclos e três para a conclusão do terceiro), da adoção do sistema de European Credit Transfer System (ECTS) e do suplemento ao diploma, ficou por cumprir a promessa de transformação real do ensino superior.

Carlos Nogueira Fino
Professor Emérito da Universidade da Madeira

* Nota dos editores: a missão do portal ET AL. inclui a sua função de repositório do conteúdo noticioso da ACADÉMICA DA MADEIRA e da própria Universidade. Nesse espírito, os contributos escritos para o blog “Projecto Bolonha UMa. Proposta de Adaptação da UMa ao Espaço Europeu de Ensino Superior” foram incluídos no nosso portal. Estão acessíveis através da área de pesquisa ou, neste artigo, ao selecionar a etiqueta “Bolonha”, no topo.

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