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A propósito da Grande Guerra e dos centenários (de 1916 e 1917)

O primeiro bombardeamento (a 3 Dez.) visou a canhoneira La Surprise, em serviço de escolta, e o vapor Dácia. Chegaram naquele dia, pelas 8:30, provenientes de Gibraltar.

Em 1916 e 1917 evocam-se os centenários da entrada de Portugal (a 9/3/1916) na Grande Guerra (GG) e do primeiro e segundo bombardeamentos do Funchal (3 e 12 de Dezembro daqueles anos).

No início do séc. XX, o Atlântico foi o espaço primordial para onde se transferiram as rivalidades europeias, numa conjuntura de reajustamento das alianças. Em 1914 o valor do Oceano é a imagem dessas rivalidades, depois de a Inglaterra ter abandonado a sua política tradicional de prioridade ao Mediterrâneo. A entente franco-britânica reflecte isto mesmo, em resposta à afirmação da Alemanha e dos seus interesses coloniais. Para o Império Britânico o domínio naval era imprescindível e havia que impedir, a todo o custo, a possibilidade da Alemanha fazer sentir a sua presença no Atlântico. Com tudo isto, os espaços insulares portugueses ganharam uma renovada importância no contexto internacional.

A Madeira baseava a sua importância em três aspectos: permitia o controlo de zonas específicas (da entrada no Mediterrâneo, à costa ocidental africana, de Marrocos aos Camarões, colónia alemã, destacando-se os portos de Dakar e Agadir); servia de base para unidades de guerra ou navios mercantes; funcionava como estação segura de abastecimento de combustíveis (carvão e petróleo) e víveres.

No início do conflito naval, com o bloqueio da esquadra alemã no Mar do Norte, a preocupação do Almirantado Britânico residiu nas movimentações das unidades alemães isoladas, que na prática agiam como corsários. Depois, numa segunda fase, eliminadas aquelas, centrou-se nas medidas de controlo e fuga necessárias devido à aposta quase exclusiva na guerra submarina por parte da Alemanha.

Foi neste contexto que a GG envolveu a Madeira. O primeiro bombardeamento (a 3 Dez.) visou a canhoneira La Surprise, em serviço de escolta, e o vapor Dácia. Chegaram naquele dia, pelas 8:30, provenientes de Gibraltar. A missão do Dácia era desviar (para Brest) o cabo alemão da América do Sul. No Funchal já se encontrava o vapor armado francês Kanguroo. Seguindo-os – ou à sua espera – estava o U-38, sob o comando do capitão-tenente Max Valentiner. A primeira explosão deu-se cerca de 30min. depois de terem fundeado, em frente ao cais. A canhoneira foi, por razões óbvias, a primeira a ser atingida e começou logo a submergir. As outras unidades seguiram-se-lhe.

O segundo bombardeamento (a 12/12/1917) foi substancialmente diferente do primeiro. Começou mais cedo, pelas 6:20, e visou apenas alvos terrestres. A acção só demorou 30min. e o U-156, sob o comando do capitão-tenente Konrad Gansser, usou peças de calibre 120 e 150 mm. Os alvos foram o ponto de amarração do cabo submarino, a estação telegráfica (instalada junto ao Convento de Santa Clara), o Palácio de São Lourenço, as plataformas de artilharia e o Forte de São Tiago. Apesar de tudo, nenhum dos alvos foi seriamente danificado e as consequências mais graves foram a morte de 5 civis, os vários feridos e o pânico generalizado. A natureza dos alvos e a precisão do tiro confirma a existência de informadores. Aliás, desde então aumentaram as suspeitas de que os submarinos estariam a ser reabastecidos (de géneros alimentares) a partir da Ilha. Logo após bombardeamento, foi proibida a iluminação nocturna e nomeado um novo governador civil.

A GG ao representar o fim do século XIX, fez ressurgir na Madeira um sentimento de orfandade, que ainda durante o conflito, mas acima de tudo depois dele, no início dos anos 20, fez reacender as reivindicações autonomistas. Mas esta já é outra História.

Paulo Miguel Rodrigues
Professor da UMa e investigador do UMa-CIERL

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