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MADEIRA ILUSTRADA “mostra-nos como devemos entender a Madeirensidade de uma forma heterogénea e dinâmica”

MADEIRA ILUSTRADA, uma das primeiras obras a fornecer informações detalhadas e úteis ao visitante que procurava a Ilha por motivos de saúde, de interesse científico ou simplesmente por lazer, é uma nova aposta da Imprensa Académica.
Paulo Miguel Rodrigues, docente da Faculdade de Artes e Humanidades da Universidade da Madeira.

Baseada na estadia na Madeira de Andrew Picken (1815-1845), desenhador e litógrafo britânico, que procurava a recuperação para a sua debilitada saúde, MADEIRA ILUSTRADA tem uma nova edição pela Imprensa Académica, com os magníficos desenhos de Picken passados para litogravura de vários pontos de interesse e descrições da Ilha, da sua história e do seu povo.

A Residência não é apenas um espaço para dormir

Parece-nos estarmos perante uma Residência Low cost à semelhança das companhias aéreas: custo baixo e apetecível mas se precisares de marcar lugar, comer uma bolacha rija, levar uma mala, ou quase garantir um lugar sentado …. é obrigatório desembolsar muito mais. É sabido que o acesso ao Ensino Superior pressupõe,

Paulo Miguel Rodrigues, especialista em História Contemporânea e docente da Faculdade de Artes e Humanidades da UMa, realizou a análise da obra e escreveu o prefácio desta edição da IMPRENSA ACADÉMICA.

Tendo havido já três edições desta obra, duas em Portugal continental e uma na Madeira, em nenhuma existiu um estudo introdutório. Que importância tem o seu texto para os diversos públicos alcançados com esta nova edição?

Neste caso, até pela sua natureza, o estudo introdutório visa conduzir o leitor até ao texto, preparar a sua leitura e facilitar a sua compreensão. É um prolegómeno elucidativo, que desvenda apenas aquilo que se considera fundamental para o desenvolvimento posterior de uma leitura livre, mas informada e devidamente sustentada, que por isso permitirá também uma imersão mais profunda e acutilante na obra, enquanto um todo, contribuindo assim para a melhor compreensão do texto, do contexto e até da conjuntura, no tempo e no espaço. A importância reside, portanto, na intenção de despertar a curiosidade e, em simultâneo, acrescentar e promover um conhecimento que se deseja integral. E, claro, no interesse em salientar o relativo ineditismo da obra em si.

Em todas as edições, o nome de Andrew Picken sobressai e o de James Macaulay parece ficar um pouco esquecido. Fale-nos brevemente sobre estes dois homens e da participação de cada um nesta obra.

Pode considerar-se que a preponderância e o destaque dado a Picken resulte do facto de as suas ilustrações, as imagens que projectam, cativarem de imediato, de forma instintiva, pelas suas múltiplas qualidades, do cromático à natureza que nos revela. Pelo contrário, o texto e as notas de Macaulay exigem outra atenção e preparação. Não tem nada de estranho. Hoje continua a ser assim. Mas do que não se pode ter dúvidas é que o tremendo êxito da obra resultou da excelente simbiose ilustração/texto e do entendimento que deles resulta.

Picken era um desenhador e aguarelista muito talentoso, arte que associava à sua prática como litógrafo. Os pais estavam ligados às Artes e à escrita. Faleceu precocemente, com apenas 30 anos (1815-1845). Foram aliás os seus problemas de saúde que o trouxeram à Madeira.

Quanto a Macaulay (1917-1902), era à época um jovem licenciado em Medicina, pela prestigiada Universidade de Edimburgo, onde também estudaram vários madeirenses. Macaulay Já viajara por Espanha, Itália e França, uma prática muito comum – senão mesmo inevitável – à época entre aqueles que para além do exercício da sua profissão, também se dedicavam à investigação e ao aprofundamento dos estudos nas suas áreas de saber. A este respeito, aliás, durante todo o século XIX a Madeira foi, na Europa e no espaço Atlântico próximo europeu, como se sabe, uma zona de eleição – para a investigação terrestre e marítima – no vastíssimo quadro dos estudos sobre a Natureza e dos seus múltiplos elementos.

O que lhe parece ser o aspeto mais interessante na relação entre as imagens e os textos, tendo em conta o conhecimento da Madeira?

Creio, desde logo, que o grande interesse está exactamente na qualidade desse binómio. A complementaridade existente entre uma qualidade cromática inédita, associada às ilustrações, que são notáveis, que se enlaçam com um texto claro, que apesar de conter elementos técnicos, colocou a sua tónica na simplicidade da mensagem. Uma obra de síntese, que se pretende não só informativa sobre o espaço, mas também que funcione como auxiliar de viagem, quase roteiro, que na verdade funciona como guia, para o turista, de cariz terapêutico ou outro. E a este respeito, é também uma obra inovadora, que inaugura uma época, num género literário para o qual depois se vai tornar modelar.

Mesmo no final do seu prefácio, diz que esta edição poderia contribuir «até para a construção e consolidação do conceito de Madeirensidade». Pode explicar-nos um pouco melhor?

Não sendo este o espaço para extensas explicações (e tendo eu já vários textos sobre o tema), creio que a forma mais simples e directa será afirmar que o conceito de Madeirensidade é, antes de mais, a síntese do Ser Madeirense, da identidade insular madeirense, num só vocábulo. Algo que se deve entender, portanto, associado aos conceitos de identidade, de insularidade e até ao de Autonomia. Pode até fazer-se o paralelo com Portugalidade, Cabo-verdianidade ou Açorianidade.

Uma identidade madeirense que emerge – constrói e consolida – da correlação de múltiplos contributos, dados por diversas áreas disciplinares que têm como objecto comum o estudo, a investigação ou até o simples testemunho da realidade madeirense (da Filosofia à Economia, passando pela Política, Etnografia, pelos Estudos Artísticos e Literários, pela Linguística, Antropologia, Sociologia, História, Geografia ou Biologia), sem que existam elementos determinantes, mas através das quais se concorde quanto à existência de especificidades ou idiossincrasias.

No caso de Madeira Ilustrada, de Picken e Macaulay – assim como de outros géneros literários – o contributo está no registo de aspectos e características dessa identidade, da tomada de consciência das suas dimensões substantiva, distinta e diferenciadora, no tempo e no espaço. Ao mesmo tempo, mostra-nos como devemos entender a Madeirensidade de uma forma heterogénea e dinâmica.

Ora, a obra de Picken e Macaulay, como tantas outras, obriga-nos a pensar a ilha – na sua condensação e delimitação – enquanto espaço fronteira, potenciado pela descontinuidade geográfica, marca de forma indelével o nosso micro-universo. Um micro-universo – destaque-se – que sendo dotado de mecanismos próprios de funcionamento, também só se percepciona como Ilha quando colocado em relação com os outros. Daí a importância dos vários géneros literários – assim como das reflexões que apresentam e daquelas que promovem – para a consubstanciação da Madeirensidade. Sabendo que esta deverá ser pensada – e isto não é de somenos – como uma diferenciação integradora ou inclusiva, ou seja: do Ser Madeirense em outras unidades mais abrangentes (portuguesa, europeia ou atlântica).

Entrevista conduzida por Timóteo Ferreira.
ET AL.
Com fotografia de Pedro Pessoa.

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