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“Vive-se um problema grave de falta de mão-de-obra altamente qualificada a nível mundial”

João Rodrigues, docente e investigador da Universidade da Madeira, é Coordenador Científico do Centro de Química da Madeira (CQM), unidade de investigação sediada na UMa e que congrega cerca de 50 investigadores. Em entrevista à ET AL., fala sobre os desafios que a ciência e a tecnologia enfrentam.
João Rodrigues, Diretor do Centro de Química da Madeira.

No passado dia 30 de setembro terminou o 9.º Encontro Anual do Centro de Química da Madeira (CQM), que abordou o trabalho desenvolvido por esta unidade de investigação. A ET AL. entrevistou João Rodrigues, o Coordenador Científico do CQM.

O que significa a avaliação “Excelente” que o CQM detém da FCT?

Esta avaliação/classificação de “Excelente” é o resultado do trabalho que os painéis internacionais de avaliação da FCT realizam todos os 5 anos, às unidades de investigação, reconhecidas e financiadas por esta instituição. Esta classificação premeia o trabalho desenvolvido nos últimos 5 anos da avaliação e o projecto de trabalho da unidade de investigação para os 5 anos seguintes, independentemente da idade, número de doutorados ou localização geográfica da unidade de investigação considerada.

Este é um reconhecimento extremamente importante pois, corresponde na prática, a um reforço de financiamento para a unidade de investigação durante os 4-5 anos seguintes, sendo atribuído em função da classificação da unidade na respectiva avaliação e do número de doutorados a tempo inteiro no Centro. Este financiamento assegura o normal dia-a-dia da unidade de investigação, a manutenção e aquisição de equipamentos e, de entre outros aspectos, também a contratação de recursos humanos. Para além disso, parte do financiamento recebido (ca. 20-25%) reverte a favor da instituição de acolhimento, no caso do CQM, da UMa.

A classificação é também importante para as candidaturas a projectos de investigação nacionais e internacionais, para as candidaturas dos nossos alunos a bolsas de doutoramento e nas candidaturas ao Concurso Estímulo ao Emprego Científico Individual (doutorados). É ainda fundamental para a acreditação dos cursos da UMa junto da A3ES, nomeadamente dos de 2.º (mestrado) e 3.º ciclos (doutoramento). Acresce ainda que, sendo a avaliação institucional das Universidades, igualmente medida pela qualidade da investigação que desenvolve, quanto maior for o número de unidades de investigação sediadas nas Universidades com boas avaliações/classificações FCT, melhor será a instituição avaliada e reconhecida internacionalmente.

A carreira de investigação científica é atrativa para o exercício de uma atividade profissional em Portugal?

O país tem evoluído muito no sentido de tornar estas carreiras mais atractivas e estáveis. Nomeadamente, aumentando significativamente o número de contratos de trabalho (Concurso Estímulo ao Emprego Científico Individual e Institucional e outros) e regularizando as situações de precaridade no emprego (objectivo ainda não totalmente conseguido).

Porque o CQM enfrenta dificuldades em conseguir financiamento para abertura de novos processos contratuais com vista à contratação de doutorados?

O CQM, como outras unidades de investigação, passa por ciclos de financiamento relacionados com o período de vigência dos projectos de investigação. Quando estes projectos terminam, os recursos humanos (doutorados e não doutorados) alocados exclusivamente a estes projectos cessam os seus vínculos contractuais. Como muitos destes grandes projectos de investigação demoram a ser avaliados/aprovados, as unidades de investigação, particularmente as mais pequenas, não têm suficiente cash-flow para manter estes recursos humanos na equipa de investigação após a conclusão dos projectos.

Por outro lado, as unidades de acolhimento dos Centros de investigação (por exemplo as Universidades), não têm recursos financeiros suficientes que lhes permitam suportar os encargos com estes recursos humanos, como não podem, por limitações legais, abrir mais do que um determinado número de processos contratuais por ano. Ora tem sido esta última justificação (limitação no número de processos contratuais) e não as razões financeiras, que tem sido invocada pela instituição para não abrir as posições que o CQM necessita e que tem capacidade financeira para suportar. De facto, o CQM dispõe, neste momento, de recursos financeiros para contratar para a equipa, 3 a 4 doutorados a tempo inteiro.

Há dificuldade de captação de investigadores estrangeiros ou nacionais pela insularidade do centro? 

Actualmente, vive-se um problema grave de falta de mão-de-obra altamente qualificada a nível mundial. O CQM, como outras instituições, padece do mesmo problema, pois não conseguimos competir, em condições financeiras e de ambiente científico, com outras Universidades e institutos de investigação por esse mundo fora. Não chega termos um bom clima na Região e a classificação de Excelente para atrair bons investigadores. É necessário que a unidade esteja enquadrada num conjunto de infraestructuras científicas e de massa crítica em várias áreas para que, não só a UMa como a Região se tornem atractivas para os investigadores. De qualquer modo e relativamente ao CQM, não sentimos que a insularidade do Centro seja um grande problema na captação de investigadores estrangeiros. Este é um dos aspectos, em que até estamos muito bem.

Quanto à contratação de investigadores nacionais (não madeirenses), a situação aí é bastante diferente. Isto porque, no geral, os portugueses têm uma capacidade de mobilidade interna muito pequena. Daí a importância não só da formação de recursos altamente habilitados a nível de doutoramento na Região, mas, também, na necessidade de se garantir oportunidades de trabalho a aqueles que, na Madeira, são excelentes e que querem continuar a trabalhar no Centro ou noutras unidades de investigação da Região.

Perante a falta de investimento que continua a existir em Portugal na área da Ciência e Tecnologia, quais as perspetivas que um jovem aspirante à carreira de investigador pode ter em Portugal?

Com o devido respeito pela questão colocada, tenho dúvidas se existirá falta de investimento na área da Ciência e Tecnologia em Portugal (até mesmo na Madeira). Atente-se, por um lado, nos montantes de financiamento disponíveis, dentro e fora de portas e, por outro, nas taxas de execução do orçamento da FCT e de muitos dos programas nacionais e europeus de financiamento. Naturalmente que achamos que o dinheiro é sempre pouco, as universidades que o digam, e que é muito difícil de ser conseguido. Veja-se, por exemplo, a baixa taxa de aprovação no Concurso de Projetos de I&D em Todos os Domínios Científicos da FCT.

Entendo outra coisa: o investimento em Ciência e Tecnologia está muito distribuído, diria demasiadamente distribuído, não tem em conta muitas vezes a realidade existente (ausência ou necessidade de criar/manter massas críticas e infraestructuras), é aplicado durante períodos muito curtos (a validade temporal habitual de um projecto é de cerca de 3 anos), e não tem em conta as especificidades de cada área do conhecimento. Além disso, alguns programas de financiamento à investigação e à inovação, parecem servir mais para manter/criar artificialmente postos de trabalho e injectar dinheiro na economia (aspecto que não deixa de ser importante), do que propriamente para cumprir uma estratégia de produção de conhecimento com impacto futuro na sociedade.

Dito isto, os jovens investigadores que realmente gostam de fazer investigação, têm prazer na descoberta, e são bons naquilo que fazem, não têm por que temer. As oportunidades, quer em Portugal, quer lá fora existem, e serão ainda mais reforçadas nos próximos anos. Agora, tal como muitos de nós fizeram no início da sua carreira, os jovens investigadores têm de ter capacidade de adaptação, trabalho, mobilidade, resiliência e de lutar por aquilo em que acreditam. Como todos sabemos no CQM, só contamos connosco!

Carlos Diogo Pereira
ET AL.
Com fotografia de Pedro Pessoa.
Na imagem, João Rodrigues, Coordenador Científico do Centro de Química da Madeira.

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