Desde os meados do séc. XVIII e ao longo do XX, a Madeira constitui uma importante referência estratégica, e científica, para a navegação britânica no Atlântico Norte, assim se justificando as constantes passagens dos ingleses pela Ilha e os trabalhos de medição e referenciação efetuados.
A 3 de dezembro de 1846, o H.M.S. Rattlesnake deixava o estaleiro de Spithead e, a 11, saía do porto de Plymouth a caminho da Madeira, onde chegou a 18, após uma viagem algo tormentosa, dada a época do ano. Seguiu rumo ao Brasil, às ilhas de Cabo Verde, ao cabo da Boa Esperança e às Ilhas Maurícias. A sua principal missão era a de voltar a medir a “inclinação magnética” nas várias escalas da viagem, então com os aparelhos desenvolvidos pela firma de Robert Were Fox, com vista à melhoria das cartas náuticas inglesas.
Da equipa do navio britânico, fazia parte o primeiro-tenente Owen Stanley, que desenhava e aguarelava, organizando, mais tarde, um álbum com os seus apontamentos de viagem, que veio a ser adquirido pela Mitchell Library, State Library of New South Wales e que um amigo de longa data destes trabalhos de investigação, o sargento-chefe José Lemos Silva, localizou e nos enviou. São somente cinco pequenos apontamentos, de que selecionámos estes três, com a particularidade de se encontrarem representadas duas das mais importantes figuras da época na Madeira: o cônsul Sir Henry Veitch, então já o decano de todos os cônsules britânicos e o então capitão António Pedro de Azevedo, que chegaria depois a general de divisão e o autor do maior manancial cartográfico alguma vez produzido na ilha da Madeira.
A expedição para a medição da declinação magnética saiu do Funchal a caminho da Eira do Serrado, a 23 de dezembro, descendo pelo Passo do Curral, o antigo caminho/estrada para o Curral, Ponta Delgada e outros destinos, onde fizeram um piquenique/almoço. Depois desceram para o Curral de Baixo e subiram para a Boca dos Namorados e ali, nas proximidades, no Pico dos Bodes (Jardim da Serra), mediram a «inclinação magnética» com o então designado «Fox’s Dipping». Com aquele aparato todo, parece que apareceram mais uns curiosos locais, registados nas várias aguarelas como os “burroqueros”, ou seja, os burriqueiros, que tinham transportado os materiais da expedição, que, inclusivamente, também incorporava duas senhoras. Depois devem ter feito ainda uma visita à quinta do Jardim da Serra, pois conheceram a criada do sr. Cônsul, em “traje domingueiro”, como regista o primeiro-tenente Owen Stanley.
O álbum do primeiro-tenente ainda incorpora uma descrição do Funchal, então com cerca de 25.000 habitantes, partindo das anteriores feitas nas viagens de circum-navegação do comandante James Cook, de 1768 e de 1771, com o seu anfiteatro e a enorme quantidade de quintas a subirem pelas encostas, da “caldeira” do Curral das Freiras poder ser a cratera do inicial vulcão submarino que deu origem à Ilha, etc. Acrescenta também uma série de referências à flora local, inclusivamente com os nomes científicos, mostrando-se muito bem informado e documentado sobre a Ilha.
Rui Carita
Docente da UMa
Texto escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990.