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Rui Campos Matos

Um misterioso convento no Funchal

O edifício representado pode não ser sequer no Funchal…Aqui fica a dúvida, para que outros investigadores, com mais conhecimentos do que eu, a possam vir a esclarecer. Situada na rota atlântica que ligava a Europa do Norte às chamadas Índias Ocidentais e Orientais, a Madeira foi, desde o século XVII, ponto de passagem ou estadia de inúmeros viajantes europeus, entre os quais se contaram notáveis aguarelistas. É, com efeito, através das representações de artistas como William e Richard Westall (1765-1836), Andrew Picken (1815–1845), e Frank Dillon (1823-1909) que é hoje possível revisitar algumas das paisagens da Madeira que já não existem. Num tempo em que a fotografia era uma técnica desconhecida, ou dava ainda os primeiros passos, estes artistas, formados na tradição da pintura de paisagem europeia, deixaram-nos o precioso registo do que os impressionou, por vezes com uma tal capacidade de síntese, uma tal maestria no tratamento da composição e do detalhe, que chegamos a duvidar se a fotografia algum dia terá superado a singular nitidez do lápis, do papel e da aguarela. É esse, certamente, o caso de Thomas Ender (1793-1875), o jovem aguarelista que em 1817, por ocasião do casamento da arquiduquesa Leopoldina (1797-1826) com D. Pedro IV (1798-1834), a caminho do Brasil, passou pela Madeira, integrado na expedição científica de história natural que acompanhava a comitiva austríaca. Possuidor de uma técnica de desenho e de uma capacidade de observação notáveis – as cerca de 780 aguarelas que produziu em 10 meses de estadia no Brasil são prova disso – bastaram-lhe os poucos dias que o navio fundeou ao largo do Funchal para nos deixar um precioso conjunto de apontamentos sobre a capital do arquipélago e os seus monumentos. Na perspectiva tirada das imediações do forte da Alfândega – ou do que dele restava em 1817 – vê-se em primeiro plano o pilar de Banger e, à sua direita, o conjunto de edifícios ‘entalados’ entre a praia e a antiga Rua dos Ingleses – actual Rua da Alfândega. Nenhum deles sobreviveu até aos nossos dias mas, como é possível constatar no desenho, com os seus avançados e recuados, oscilavam já entre os cinco e os seis pisos. Segue-se o Forte de São Lourenço e, em último plano, no topo do actual Parque de Santa Catarina, a torre-avista-navios da Quinta das Angústias e o inconfundível perfil da Fortaleza do Ilhéu, ainda separado de terra. Ender desenhou ainda a Sé do Funchal, uma vista de leste da cidade, duas casas de campo nos arredores, e um mosteiro cuja identificação é difícil apurar. «Mosteiro no Funchal», ou, em alemão, «Kloster zu Funchal» – assim se intitula a aguarela. Tratar-se-á do antigo Convento de São Francisco, demolido em 1866 para dar lugar ao Jardim Municipal? O Convento da Encarnação, também ele já demolido? Ou será um erro de classificação da equipa de investigadores brasileiros que, em 2001, se deslocou à Áustria para fotografar toda a colecção de aguarelas de Ender? Neste caso, o edifício representado pode não ser sequer no Funchal… Aqui fica a dúvida, para que outros investigadores, com mais conhecimentos do que eu, a possam vir a esclarecer. Rui Campos Matos Ordem dos Arquitectos – Secção Regional Sul (Delegação da Madeira)

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A Quinta do Monte

Pela mão de uma notável escritora, a casa assumiu, assim, a importância de uma personagem de romance – rara honra de que poucos monumentos do nosso património arquitectónico se podem orgulhar. Da Quinta do Monte já só restam as paredes, calcinadas pelo desastroso incêndio que assolou a Madeira em Agosto de 2016. Também conhecida como Quinta Gordon, Cossart ou Rocha Machado, nela residiu e faleceu o Imperador Carlos da Áustria. A casa, que integrava uma propriedade de aproximadamente 6 hectares de jardins e mata, foi mandada construir por um próspero wine merchant, James David Webster Gordon, «conforme o plano dum arquitecto inglês», como refere Maria Lamas no Arquipélago da Madeira – Maravilha Atlântica. A construção teria tido início em 1826 sofrendo, ao longo do tempo, várias campanhas de obras, que não apagaram, todavia, o carácter erudito do seu traçado, como é possível constatar na bela gravura que dela fez Picken em 1840. Embora se desconheça o seu nome, a sofisticação do desenho de arquitectura faz supor, com efeito, que o projecto tenha sido concebido por um arquitecto: o encaixe da casa no terreno acidentado assumia um elevado grau de complexidade, sendo um bom exemplo do carácter mais informal que, em inícios do século XIX, a arquitectura das villas burguesas começava a manifestar. Desdobrando-se em pisos e meios-pisos, fundindo-se com o jardim, a casa adaptava-se aos desníveis do lugar, garantindo sempre uma estreita proximidade física e visual dos compartimentos interiores com a envolvente. A relação de salas e quartos com o exterior, cuidadosamente ajardinado, era assegurada pelas chamadas «janelas à francesa», que proporcionavam aos moradores um contacto directo com o jardim. Era uma arquitectura que procurava responder às aspirações de uma classe social que, como escreveu um estudioso da casa inglesa, atingira um grau de sofisticação tal que lhe permitia dar-se ao luxo de pôr em causa os princípios da sua própria civilização, «regressando à natureza» – uma natureza edénica, disciplinada e afável que o jardim representava. N’A Corte do Norte, Agustina Bessa-Luís, para descrever esta estreita relação que esta casa tecia com a sua envolvente, comparou-a a uma «flor desfolhada cuja forma se vai desmanchando […] uma grande rosa no chão, com as pétalas dos seus ovalados espaços projectados para fora como para recolher o jardim no ventre das salas». Mais adiante, referindo-se às suas «paredes em gomos» – as bow e bay windows que caracterizam muita da arquitectura que os ingleses deixaram na Madeira – compara-a à «forma de um pudim virada no meio do jardim». Pela mão de uma notável escritora, a casa assumiu, assim, a importância de uma personagem de romance – rara honra de que poucos monumentos do nosso património arquitectónico se podem orgulhar. Confrontadas com as palavras de Agustina, as paredes calcinadas da Quinta do Monte parecem hoje querer dar razão à célebre fórmula de Victor Hugo: «ceci tuera cela», a palavra escrita substituirá a arquitectura, uma forma de arte destronará a outra. Do esplendor da quinta de Webster Gordon nada restará, no futuro, senão o que sobre ela escreveu a escritora portuguesa? Esperemos que não. Rui Campos Matos Ordem dos Arquitectos – Secção Regional Sul (Delegação da Madeira)

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Para que serve a História da Arquitectura

Alguém se lembra que, no seu plano de 1915, Ventura Terra planeava construir uma avenida sobre a ribeira de João Gomes e um casino no cais da Pontinha? Para que serve a história da Arquitectura? Costuma dizer-se que aqueles que não aprendem com o passado estão condenados a repeti-lo. Um cidadão bem informado sobre a história da cidade onde vive e a da sua Arquitectura é, certamente, capaz de tomar melhores decisões sobre ela do que um ignorante. Vem isto a propósito das exposições que a Delegação da Madeira da Ordem dos Arquitectos levou a cabo este ano na sua sede: a primeira sobre o Plano Director de Rafael Botelho (1969-72) e a segunda comemorando os 100 anos do Plano de Melhoramento de Ventura Terra (1915). Ambas deram a conhecer matéria relevante sobre o Funchal do século XX: os planos metidos na gaveta, os que viram a luz do dia, as boas e as más decisões tomadas pelos nossos pais, avós e bisavós. Quem se atreveria a dizer que nada há a aprender com as gerações que nos precederam? Alguém se lembra que, no seu plano de 1915, Ventura Terra planeava construir uma avenida sobre a ribeira de João Gomes e um casino no cais da Pontinha? E que, em 1959, o urbanista Faria da Costa propunha a demolição integral do bairro de Santa Maria do Calhau substituindo-o por blocos habitacionais que atingiam os 10 pisos de altura? Estas e outras ideias mirabolantes fazem hoje parte da história do Funchal e constituem um capital de conhecimento que importa não esquecer. Outras houve que nos fazem lamentar o facto de nunca terem sido realizadas. É o caso, por exemplo, do arranjo de invulgar qualidade que o paisagista Francisco Caldeira Cabral apresentou, em 1942, para a Avenida do Mar, entre o Largo dos Varadouros e o Forte de São Tiago: uma ampla faixa arborizada corria ao longo da praia; o antigo Campo Almirante Reis transformava-se num vasto jardim que incluía o Arsenal (onde hoje está instalado um hotel de Arquitectura medíocre); e, visualmente, todo este corredor verde à beira-mar culminava no magnífico perfil dos baluartes de São Tiago. Que bela seria hoje a Avenida do Mar se este projecto se tivesse cumprido! Infelizmente, a avenida idealizada por Ventura Terra em 1915, em vez da praia, como acontece nas suas congéneres europeias – o Paseo de la Concha em San Sebastian, ou as Promenades des Anglais em Nice e a de la Croisette em Cannes – foi vendo nascer a seus pés outras amenidades: uma marina, o barco dos Beatles, uma E.T.A.R, um balão e, por fim, em 2010, o produto de uma aluvião. A aluvião foi, é certo, uma tragédia. Poderia, todavia, ter-se transformado numa oportunidade. Terramotos, incêndios, aluviões – as catástrofes foram sempre ocasiões para as cidades se repensarem e, por vezes, mesmo, renascerem. Não foi o que aconteceu no Funchal. A incapacidade de compreender o que significa um boulevard marítimo, uma tipologia urbana oitocentista com características muito precisas – lá está, a ignorância da história da cidade e da sua arquitectura – levou a que se tivesse encarado a frente-mar como um problema de engenharia marítima e hidráulica, do qual fazia parte a criação de um novo cais de acostagem. Grossa asneira. Os resultados (e os tetrápodes) estão hoje à vista de todos. Rui Campos Matos Ordem dos Arquitectos – Secção Regional Sul (Delegação da Madeira)

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