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Joaquim Pinheiro

Regresso dos cursos de ensino da área das línguas “tem de ser bem estudado” na faculdade

A Faculdade de Artes e Humanidades (FAH) da Universidade da Madeira tem seis cursos de licenciatura, nove mestrados e dois doutoramentos. Segundo Joaquim Pinheiro, atual presidente dessa unidade, a faculdade “tem por missão oferecer uma sólida formação, norteada por princípios de rigor intelectual, pedagógico e científico, combinando tradição e inovação, em diálogo permanente com o global”. A ET AL. conversou com o Presidente da FAH sobre os cursos e os seus desafios. Qual o balanço da Semana das Artes e Humanidades e que impacto poderá ter na promoção do trabalho de estudantes, investigadores e docentes da FAH? O balanço que, em conjunto, fazemos é bastante positivo. Tivemos cerca de 25 docentes da Faculdade envolvidos em actividades, dezenas de estudantes e muitas pessoas da comunidade civil que se sentiram atraídas pelo programa e que integraram as várias sessões temáticas. Acreditamos que estas iniciativas têm um impacto elevado na promoção dos nossos cursos e na maior visibilidade dada à investigação que está a ser desenvolvida pelos nossos docentes. Além disso, realçamos o empenho dos nossos estudantes, reforçando a sua ligação com a Faculdade e os cursos em que estão inscritos. Para 2022, o Orçamento do Estado para cultura representa menos de 0,3% do total e reserva 86,7% das verbas disponíveis para “despesa corrente, aquisição de bens e serviços e despesas com pessoal” (Público). Qual é o impacto que a falta de investimento nesse sector tem tido na atração de estudantes para os cursos ministrados pela Faculdade? De facto, falta uma política cultural de médio e longo prazo no nosso país, sendo incompreensível que os sucessivos Governos não compreendam o retorno económico que o investimento na cultura pode ter. Isso tem, naturalmente, efeitos negativos na produção cultural e científica da área das Humanidades, mas é preciso salientar que a criatividade, a capacidade individual ou de grupos, bem como o conhecimento científico, acabam sempre por ter resultados positivos, sobretudo a longo prazo. Em termos de procura de estudantes, os primeiros ciclos da Faculdade têm registado uma significativa procura, completando as vagas. Quanto aos segundos ciclos, vamos abrir dois novos mestrados acreditados pela A3ES (Design e Psicologia Clínica, da Saúde e Bem-Estar), mantendo a oferta dos restantes mestrados (Estudos Regionais e Locais; Gestão Cultural; Linguística: Sociedades e Culturas; Literatura, Cultura e Diversidade; Psicologia da Educação). Tanto para os mestrados, como para os dois doutoramentos da Faculdade, temos procurado, com os Directores de Curso, encontrar novas vias de promoção e captação de estudantes. Sabemos que a problemática sobre as desistências e os abandonos atinge todo o Ensino Superior. Os dados do governo indicam, numa das piores situações dos cursos da faculdade, que quase 30% dos alunos de Estudos de Cultura na UMa não renovaram a sua inscrição para o 2.º ano. O que pode e deve ser feito para contrariar esse fenómeno? O problema do abandono e das desistências tem diversas razões e são questões distintas e que devem ser tratadas com muita cautela. Nesse e noutros casos, os Directores de Curso estão a acompanhar a situação, juntamente com os respectivos docentes, de forma a apurarmos as razões e a definirmos estratégias que reduzam o abandono e as desistências. Há razões imediatas, como por exemplo o facto de termos estudantes que ingressam no curso por ter sido a sua 3.ª opção, ou razões sociais, relacionadas com o desemprego familiar ou outras. Noto que tanto para Estudos de Cultura, como para outros ciclos de estudos da Faculdade, todos os anos temos, no total, cerca de 20 reingressos ou até mais, que é um sinal positivo. A faculdade tem meios para compreender as razões das desistências e do abandono dos seus cursos? Usamos os meios previstos na Regulamentação interna e por acção dos Conselhos de Curso, onde os estudantes estão representados. Um dos aspectos que os estudantes salientam como muito positivo na nossa Faculdade é a proximidade estudante-docente durante o processo formativo. Esse facto tem de ser potenciado para nos ajudar a melhorar algumas situações. Que conhecimento tem do tratamento dado ao fenómeno das desistências e dos abandonos na UMa? Tenho o conhecimento que é referido nos guiões de avaliação submetidos à A3ES e que são fornecidos pelo Gabinete de Controlo de Qualidade. Quando um estudante desiste e dá entrada a um requerimento nesse sentido, conseguimos acompanhar a situação. Porém, quando um estudante abandona sem dar qualquer informação, torna-se muito mais complicado. O Registo Nacional de Teses e Dissertações indica 7 dissertações do mestrado em Estudos Regionais e Locais, desde 2018. Em mais de 4 anos, este é o número que esperavam? Noto que o ciclo de estudos que referem não abriu todos os anos lectivos nesses 4 anos. Há estudantes que se inscrevem e que têm apenas o objectivo de concluir o primeiro ano, o que é um direito que temos de respeitar. Acresce que estamos numa área de estudo que foi bastante afectada pela pandemia, pois vários estudantes ficaram impedidos de consultar, por exemplo, arquivos e bibliotecas. Além disso, a maioria dos estudantes já tem uma actividade profissional, facto que dificulta muitas vezes a conciliação entre trabalho e elaboração da dissertação. Certamente que, nos próximos anos, várias dissertações serão concluídas. Os cursos de Estudos de Cultura e de Comunicação, Cultura e Organizações, perante um cenário anunciado de falta de professores, deveriam ser combinados ou substituídos pelos cursos da área de línguas que eram leccionados, nos anos 90, pela UMa? Na minha opinião, não podemos colocar a questão dessa forma. Os dois cursos preenchem as vagas há vários anos, oferecendo formações distintas. No caso de Estudos de Cultura temos cerca de 110 estudantes e em Comunicação, Cultura e Organizações cerca de 150. Na sua maioria, os estudantes que ingressam nesses ciclos de estudos têm perspectivas de uma carreira profissional que não passa pelo ensino. Os cursos para formação de professores têm exigências previstas na lei que não se coadunam com os dois planos de estudos destes cursos. Acresce que seria necessário um investimento elevado na contratação de docentes doutorados, por exemplo em algumas áreas das Didácticas

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A diversidade na obra de Íon de Quios

Memorandum A diversidade (polyeideia) na obra de Íon de Quios Com os fragmenta de Íon de Quios enriquecemos as nossas perspectivas de análise do séc. V a.C., por vezes excessivamente concentradas em Atenas. Entre poesia e prosa, somos seduzidos por um corpus com diversos saberes Como realça a Suda – monumental enciclopédia do séc. X –, uma das marcas da produção literária de Íon de Quios (c. 490-480 a.C.) é a diversidade. Embora não nos tenha chegado nenhuma obra na íntegra, desde meados do séc. XX que vários estudos se têm dedicado à análise dos fragmenta e testimonia, revelando, assim, uma obra muito interessante de um autor, aparentemente, periférico. Além da composição de tragédias, ditirambos, poesia lírica, sabemos que escreveu uma obra sobre a fundação e a história mítica de Quios, que para alguns terá sido uma obra relevante no percurso da historiografia antiga, uma outra sobre cosmologias e também registou memórias (hypomnemata). Há um conjunto de fragmentos, em prosa, que parecem integrar um conjunto de textos sobre embaixadas (presbeutikos) ou ‘visitas’ (epidemiai). No entanto, há muitas dúvidas sobre a organização deste conjunto de fragmentos, não sendo fácil perceber se integrariam ou não a mesma obra. No caso das Epidemiai, M. West (1985), “Ion of Chios”, BICS 32: 75, classifica-a como uma obra pioneira, escrita em forma de diálogo, que demonstra o acesso e a convivência de Íon com conhecidos políticos, figuras militares, escritores e importantes famílias. Devido ao seu teor, esta obra teria um assinalável valor biográfico, podendo ter exercido em autores da época, como Xenofonte (Memorabilia), até por ser citado por Plutarco, o mais conhecido biógrafo da Antiguidade. O facto de Plutarco, um autor dos séculos I e II d.C., fazer referência a Íon, pode ser lido como uma prova da importância das suas narrativas e da influência da técnica biográfica das Epidemiai, nomeadamente ao nível do retrato fisiognomónico. É curioso que Plutarco, num dos passos em que aborda o tema da ‘fortuna’ (tyche) na acção humana (Sobre a fortuna dos Romanos 316d), faça referência a uma sentença do poeta Íon: a ‘fortuna’ e a ‘sabedoria’ (sophia) são coisas diferentes, mas ambas podem fortalecer cidades, embelezar homens, trazendo ‘glória’ (doxa), ‘poder’ (dynamis) e ‘hegemonia’ (hegemonia). Acredita-se que seja uma alusão às Epidemiai de Íon. Contudo, como muitas vezes sucede a quem se dedica ao estudo da Antiguidade Clássica, a ausência de fontes escritas só nos permite colocar hipóteses e algumas conclusões parciais. Se considerarmos a pervivência das referências e as alusões à produção literária de Íon, sobretudo à sua poesia, não deixa de ser curioso verificar a considerável projecção de um autor de uma pequena ilha do Egeu, conhecida pela qualidade do vinho ou dos figos, mas também pelo sistema democrático, eventualmente anterior ao que Clístenes instituiu em Atenas. De facto, o percurso de Íon de Quios, com ligações a Sófocles, Címon, Ésquilo, Péricles, Sófocles ou Temístocles, das figuras mais relevantes do séc. V a.C., revela uma mundividência alargada e que garantiu à sua obra uma difusão por vários séculos. Entre marcas identitárias da sua ilha e da polis central, Atenas, Íon constrói, por vezes, uma observação do mundo consentânea com a de um cosmopolita. De igual forma, entre prosa e poesia, evidencia um espírito de polímata, ao estilo do pensamento jónico, com capacidade criativa e atento às circunstâncias políticas e sociais do seu tempo. É disso exemplo o uso que faz do corpus mitológico, nas tragédias, por reconhecer o seu poder de influenciar concepções políticas, sociais ou mesmo a identidade cultural. Esquecido durante muitos séculos, o corpus literário de Íon de Quios poderá, com novas estudos e linhas de interpretação, contribuir para um melhor conhecimento da realidade helénica, sobretudo de espaços mais periféricos, mas, sem dúvida, muito relevantes pela diversidade conceptual, capaz de abrir novos caminhos hermenêuticos a trilhar. Joaquim Pinheiro Docente da UMa Escrito de acordo com a antiga grafia.

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Memorandum

Os fragmenta e os testimonia permitem-nos perceber que Herófilo merece um lugar especial na História da Medicina, pelo conhecimento que desenvolveu em várias áreas, da Anatomia à Obstetrícia. Herófilo de Calcedónia (c. 330-250 a. C.) deu um contributo muito valioso para a matéria médica, em especial na área da ginecologia. Porém, tal como sucedeu, infelizmente, à maioria do conhecimento científico do período helenístico, a sua obra perdeu-se quase por completo, restando alguns fragmenta e cerca de 250 testimonia, reunidos na impressionante obra de Heinrich von Staden, Herophilus: The art of medicine in early Alexandria (1989). Discípulo de Praxágoras de Cós (IV a. C.), que terá sido o primeiro a distinguir as veias das artérias e um dos responsáveis pela transmissão do Corpus Hippocraticum, e também discípulo de Crisipo de Cnidos (IV a. C.), Herófilo desenvolveu a sua actividade médica, sobretudo, em Alexandria, aproveitando um contexto social e cultural favorável, proporcionado por Ptolomeu Soter e Ptolomeu Filadelfo. Certamente influenciado pelas lições de Praxágoras, consolidou uma visão tripartida da medicina: conhecimento relacionado com a saúde; conhecimento relacionado com a doença; e um conhecimento neutro, que inclui a farmacologia, a cirurgia e a dietética. Das onze obras que a tradição atribui a Herófilo, seis são consideradas autênticas, a saber: Anatomia, Sobre as pulsações, Obstetrícia, Terapêuticas, Dietética, Contra as opiniões comuns. Por aquilo que se conhece, a transmissão da obra de Herófilo foi garantida, numa primeira fase, por dois factores: como Ptolomeu Evergetes II decidiu expulsar, entre outros, médicos, isso teve, desde logo, uma consequência positiva que foi a difusão da obra de Herófilo, sem se circunscrever a Alexandria; foi, porém, a fundação da Escola dos Herofilianos, no século I a. C., que contribuiu de forma decisiva para que a obra de Herófilo tenha sido transmitida e sobrevivido ao incêndio do Museu de Alexandria, em 48 a. C. Acrescente-se, ainda, o papel que especialmente Galeno teve na sua transmissão, garantindo que até ao século VI a obra de Herófilo pudesse ter sido lida e estudada. Além das descobertas relacionadas com o sistema nervoso e o cérebro, talvez o contributo mais significativo de Herófilo para a História da Medicina tenha sido ao nível da anatomia. De alguma forma, rompeu com o método habitual de se descrever a anatomia humana a partir da animal (cf. Aristóteles, História dos Animais 502b). Aproveitando um contexto cultural distinto daquele que se viveria em Atenas ou em outras cidades, Herófilo teve em Alexandria condições ao seu dispor para proceder à dissecção e, segundo algumas fontes, também à vivissecção, aprofundando, desse modo, o conhecimento sobre a anatomia, o que leva alguns a considerá-lo o ‘pai da anatomia’. Em vários textos, atribui-se a Herófilo a descoberta dos dídymoi (‘ovários’) e a identificação dos ‘ductos espermáticos’, embora seja um tema polémico, uma vez que alguns consideram que já Díocles de Caristo o havia feito. Na verdade, estes ganhariam o nome do anatomista italiano, Gabriele Fallopio (‘trompas de Falópio’). Apesar das várias dúvidas geradas pela transmissão textual, Herófilo e a doxografia herofiliana desempenharam um papel relevante na tradição médica, ainda que o nosso conhecimento e também o dos humanistas, estejam marcados, de forma indelével, pela leitura (decisiva) de Galeno, médico grego e cidadão do Império. Joaquim Pinheiro Professor da UMa

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Gonçalo M. Tavares e os clássicos em os velhos também querem viver

Em Sarajevo ou numa polis grega, o mito de Alceste é sempre desconcertante. A reflexão sobre a morte, em forma de sacrífico estóico, torna-se também uma meditação sobre o valor da vida. Na verdade, revisitar um mito clássico é mergulhar na nossa memória colectiva. O legado da Antiguidade Clássica tem-se exprimido, ao longo de muitos séculos, por meio de várias realizações humanas. Constituindo-se como elemento identitário, a mitologia é, sem dúvida, um dos melhores exemplos dessa pervivência. Continuamos a ouvir expressões como “bonito como Adónis”, “veloz como Aquiles”, “forte como Héracles”, “esperto como Ulisses”, “bela como Helena”, “canta como as Musas e toca como Orfeu”… Podemos, ainda, conduzir um “Clio”, aproveitar o programa passageiro frequente “Ícaro”, nadar no centro “Neptuno”, passear o cão “Argos”, comprar uma peça “Pandora”, beber uma água da marca “Fonte de Castália” no café “Apolo”, para de seguida ir ao estúdio de arquitectura “Dédalo”. Não faltam, de facto, exemplos. O nosso propósito, neste breve texto, porém, é o de nos concentrarmos no exercício intertextual de um autor da nossa literatura: Gonçalo M. Tavares (GMT). Uma das marcas temáticas da escrita de GMT, talvez o autor da nova geração de escritores da literatura portuguesa mais lido e premiado, é a do diálogo com a cultura clássica, sobretudo nas obras Histórias falsas, Uma viagem à Índia e, mais recentemente, Os velhos também querem viver. É precisamente sobre esta última que vos escrevemos. Inspirando-se na tragédia Alceste de Eurípides, GMT propõe-nos em forma de peça teatral – já levada à cena pela Companhia Cão Danado, com encenação de Cristina Carvalhal – a conhecida e dramática história da mulher (Alceste) que dá a vida pelo marido (Admeto). Sim, trata-se de uma história de amor que nos catapulta para, nas palavras de Frederico Lourenço, o “trágico no superlativo”, como sucede, por exemplo, na história de Hécuba, a mãe que assiste à morte da filha (Políxena) sem nada poder fazer e que encontra a boiar na praia o cadáver do filho mais novo, Polidoro, mas que depois se vinga, obviamente, no superlativo: não só arranca, com as suas próprias mãos, os olhos a quem lhe matara Polidoro, como, se isso não bastasse, ainda lhe mata os filhos. Muito chocante ou horrendo? Então é melhor nem falarmos das mães filicidas, Medeia e Procne! O trágico grego é, de facto, muitas vezes essa torrente irresistível que deixa o leitor/espectador desconcertado com a dimensão (des)humana. Apesar de usar a estrutura Prólogo>sequência de 4 cenas>Epílogo, integrando também a participação tão clássica do Coro, a verdade é que o texto literário de GMT não atinge a dimensão lírica do drama trágico grego, sobretudo ao nível do ritmo métrico. Deixando de parte estes e outros pormenores técnicos, directamente relacionados com o género literário, interessa-nos aqui, sobretudo, abordar a temática da obra. O título, Os velhos também querem viver, pode levar o leitor a pensar que se trata de uma reflexão gerontológica, numa altura em que tanto se fala e escreve sobre o envelhecimento da população europeia. Nada disso. GMT recupera um dos paradigmas do amor conjugal da mitologia clássica, a relação de Admeto e Alceste, para reflectir sobre temas universais, como o amor (conjugal, paternal, filial), a vida, a morte, a guerra ou o sacrifício. A história não decorre numa polis grega, mas em Sarajevo, umas das cidades mais massacradas pela Guerra dos Balcãs. Como milhares de homens, Admeto é atingido por um sniper. Prestes a morrer, Apolo permite-lhe viver, se em troca alguém morrer por ele (“A Morte tem de levar alguém, já se sabe”, p. 19). Em aflição, pergunta se alguém em Sarajevo quer morrer por ele, “mas ninguém aceitou, nem amigos, nem pai, nem mãe.” (p. 16). Só Alceste se sacrifica pelo marido. Esta aceitação gera uma dialéctica entre a morte moderna e a antiga, notando-se, parece-nos, na reflexão de GMT algumas marcas do pensamento filosófico de Séneca. Antes de transitar para lá da vida, a serva conta que Alceste pediu aos deuses que cuidassem das suas duas crianças e que fosse dado um casamento e glória para o filho e um casamento e honra para a filha. Além disso, suplicou que não morressem cedo e que não fossem felizes antes do tempo, se possível na terra pátria. GMT aproveita este momento, de nítida tensão dramática, para interromper a narração e, como num estásimo (uma das partes da tragédia grega), falar da realidade tão presente, nos nossos tempos, dos filhos que têm de sair de casa e do seu país. Mas Alceste tem também palavras para Admeto, seu marido: recorda-lhe que nem o pai, nem a mãe, aceitaram morrer por ele, mesmo sendo filho único (“Mesmo velhos, preferiram viver”, p. 29). Com essa opção, impediram, segundo Alceste, que os filhos crescessem com a mãe. Em troca do seu sacrifício, exige que Admeto jure nunca mais dar uma segunda mãe aos filhos. E, num ápice, morre. Este é, de facto, o momento, o clímax desta obra, bastante antecipado em relação ao que costuma ser normal no género. Não cabe neste espaço explorar outros elementos interessantes que ocorrem até ao final da obra: Admeto irado com o pai, Feres, por não ter dado a vida por ele; Feres a justificar ao filho que um velho também tem direito a viver e que já lhe tinha dado a vida, coisa que o filho jamais lhe poderia restituir; a intervenção de Hércules (grafia usada por GMT, embora, neste contexto helénico, ‘Héracles’ fosse mais correcto), qual deus ex machina, que resgata Alceste dos infernos para a fazer regressar à vida. O mito de Alceste, como se percebe, torna-se perturbante a vários níveis. Sendo Admeto um mortal, como permitiu, para adiar a morte certa, o sacrifício da sua mulher e, assim, deixar duas crianças sem a mãe? Como tem coragem Alceste para abandonar os filhos em prol do marido? É a vida de um jovem mais valiosa do que a de um velho? São estas e outras as encruzilhadas dos mitos clássicos. Imitados, renovados ou transformados nas várias áreas do

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