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À conversa com Isabel Silva
Espiritualidade Dimensão do ser humano A espiritualidade é um conceito complexo e multidimensional. Utilizando a analogia de alguns autores, imaginemos uma bola de futebol: a espiritualidade constitui-se de diferenças dimensões (hexágonos que revestem a bola) todas ligadas umas às outras formando a pessoa (bola). Cada porção de revestimento (cada hexágono) representa um aspecto diferente da espiritualidade que está intimamente ligado e relacionado com os outros biopsicossociais, conferindo a cada um a mesma importância no funcionamento do conjunto. Momentos existem em que a bola esvazia e precisa ser cheia de ar. Também em momentos intempestivos da vida, muitas vezes alheios ao controlo do homem, a pessoa sente-se vazia e necessita alimentar o seu espírito através de meios que lhe devolvam sentido à existência. Esta linguagem metafórica esclarece o carácter complexo da espiritualidade e a sua relação com as outras dimensões do ser humano. A ser assim não pode ser destacada ou entendida de forma isolada. Estamos evidentemente a adoptar a percepção global da pessoa humana, em que as várias dimensões que a constituem influenciam e são influenciadas umas pelas outras pois a espiritualidade recusa qualquer tipo de reducionismo. Utilizamos o termo Pessoa porque este nos remete para o Ser em relação. Enquanto Pessoa, o ser humano concretiza-se relacionando-se com os outros, reconhece as suas circunstâncias, procura o sentido da sua existência e por isso singular, único e complexo. Deste modo, a espiritualidade desenvolve-se em duas dimensões: a horizontal, que se expressa na procura de sentido na existência pessoal em relação com os outros e o exterior; a vertical, que se expressa na procura de uma entidade superior ou fenómenos transcendentes que concedam à existência esse sentido e significado. Nas interrogações que tantas vezes formulamos sobre a existência ou não de uma entidade superior, deixamos em aberto a possibilidade dessa existência pelo simples facto de questionar e meditar sobre o assunto. A espiritualidade como dimensão humana reporta-nos ao transcendente, permitindo compreender quem somos e não somente o que somos. Transcender é procurar entender a existência. Existir é também partilhar desejos e crenças em algo que, como seres singulares possuímos e que, como pessoas humanas, universalmente sentimos. São variadas as formas de viver a espiritualidade neste nosso século. A espiritualidade como procura de sentido na existência transforma–se na força impulsionadora para o alcance da harmonia e felicidade. Está presente no movimento constante de aproximação e inter- relação com os outros pares, nos eventos e rituais que dão sentido à nossa vida. Assim sendo, um momento de crise pode ser a primeira oportunidade de encontrarmo-nos como seres espirituais, a primeira oportunidade de sentir o significado da própria existência. É nas situações intempestivas da vida que a mobilização e expressão da dimensão espiritual é feita de forma mais intensa. Manifesta-se nestes momentos pelas expressões de crenças, valores, atitudes, comportamentos e sentimentos. Quantas vezes a angústia da busca perante tantas incertezas que a razão instrumental científica não “dá conta” de explicar e, mesmo quando explica, não plenifica o ser humano nas suas necessidades profundas de coração e alma! Viktor Frankl, em observações decorrentes da sua experiência em campos de concentração, como prisioneiro, durante a segunda guerra mundial, pode perceber que, mesmo num ambiente em que as pessoas se encontravam em situação ímpar, com ínfimas possibilidades de sobrevivência, conseguiam superar a situação de intensa adversidade. Isso é possível porque o ser humano possui uma capacidade única de conservar a sua liberdade de espírito, área que ele considera de domínio exclusivo de cada um, na qual ninguém pode interferir ou modificar a sua decisão. Considerando que para Frankl a dimensão espiritual envolve a capacidade de decidir, essa dimensão permite-lhe, mesmo havendo apenas um resquício de esperança, buscar sentido no sofrimento, na dor e na morte, que desafiam a inteligência humana desde tempos imemoriais. Assim, “se a vida tem sentido, o sofrimento necessariamente também terá”. Nesta reflexão introduzo a importância de reconhecer que a espiritualidade não está somente relacionada com a teologia e as crenças, mas com o usual e mundano. Pensar a espiritualidade remete-nos, deste modo, para o que fazemos no dia-a-dia e que sequencialmente realiza o filme da nossa vida e lhe dá plenitude de sentido. O ser humano é um ser histórico porque possui a capacidade de contemplar o seu passado e o seu presente, podendo assim influenciar o seu desenvolvimento como pessoa, colaborando para que os aspectos de sua vida estejam ligados à sua história e às estruturas sociais. Isto revela-o como um ser multidimensional, bio-psico-sócio-político e espiritual. Embora o enfoque desta reflexão seja a dimensão espiritual, torna-se oportuno trazer uma breve distinção entre os conceitos de espiritualidade, religiosidade e misticismo, que com frequência percebemos haver dificuldade na sua compreensão. A espiritualidade, como vimos, juntamente com a liberdade e a responsabilidade são elementos essenciais na existência humana de onde transcende o logos. A palavra religião, no seu sentido originário, significa ligar e re-ligar tudo com todos, ou seja, a sua prática possibilita a contínua ligação com Deus. A religião molda e codifica a experiência com Deus. Neste sentido a religiosidade é expressão da religião que pode ser demonstrada por meio de dogmas, rituais e a institucionalização do poder religioso. Em relação ao misticismo, é um estado que permite ter acesso directo a Deus pela experiência. A compreensão do significado destes termos: espiritualidade, religiosidade e misticismo, pode colaborar para que se perceba e distinga as diferentes formas de expressões da dimensão espiritual. Assim estaremos mais abertos e mais permeáveis às mais diversas experiências que o ser humano tem ao expressar a sua espiritualidade. Percebemos que as questões que envolvem a dimensão espiritual nem sempre são evidenciadas, avaliadas e questionadas suficientemente, pois a actualidade está mais voltada para a relação do ter do que a relação do ser e, dessa forma, os valores, credos e significados que são inerentes à natureza humana passam despercebidos para muitos. Lentamente, perdeu-se a visão do ser humano como ser de relações ilimitadas, ser de criatividade, de ternura, de cuidado, de espiritualidade, portador de um projecto infinito. Cada vez mais centrados