Tópicos de apreciação do documento “Projecto de Bolonha”
Tópicos de apreciação do documento “Projecto de Bolonha, da Universidade da Madeira (Novembro 2005) 1. Fiquei muito positivamente impressionado pelo conteúdo do documento elaborado pelo “Grupo de Bolonha” da Universidade da Madeira (UMa). Confesso mesmo que excedeu todas as minhas expectativas iniciais, habituado que estou a um certo défice de convicção quanto a possibilidade de as universidades em Portugal serem reformáveis “por dentro”. 2. Trata-se de um documento de que transpira uma concepção corajosa, aberta, moderna e arejada da Universidade do futuro, suportado numa leitura muito precisa e consciente das oportunidades e adversidades que a UMa enfrenta no âmbito da adaptação de conteúdos curriculares e estruturas de funcionamento ao Processo de Bolonha, designadamente as resultantes da sua posição geográfica ultraperiférica e insular no quadro da EU. 3. As recomendações contidas no documento constituem, a meu ver, uma excelente proposta de reforma da oferta de educação de nível superior no âmbito da UMa, e deveriam, aliás, ser extensíveis às demais universidades nacionais, todavia sem prejuízo do direito -mais, até, da obrigação -da procura da diferença e das tendências de especialização de cada escola. 4. Creio, de resto, que a coragem e lucidez da proposta apresentada pela UMa beneficiará significativamente da circunstância de se tratar de uma universidade relativamente jovem, por isso mesmo muito mais ágil e consciente do alcance e implicações das mudanças por que o Mundo está -e vai continuar -a passar no Séc. XXI. 5. Retive, em particular, algumas concepções constantes do texto, que em muito se identificam com a visão que, ao longo dos últimos anos, tenho publicamente veiculando no que toca aos desafios que se colocam as universidades portuguesas no mundo actual: a) O reconhecimento de que Bolonha não pode, nem deve, ser encarado como um processo unificador, eliminador do direito – e do dever – de cada escola fomentar a sua própria diversidade e especificidade, atitude bem-vinda num país em que a competição, a comparação e a concorrência são tradicionalmente encaradas (muito erradamente) como realidades estranhas ao mundo da educação e do ensino; b) O imperativo de preparar as universidades portuguesas para a provável -porventura mais que certa – instituição a nível europeu de padrões de reconhecimento internacional de programas, cursos e ciclos de formação; c) A necessidade de apostar em formações de banda larga (nomeadamente ao nível do 1º Ciclo), com solidez científica, tendo mais em vista a empregabilidade ao longo do ciclo de vida do indivíduo do que propriamente a “preparação para o emprego”, vs. “para o primeiro e único emprego na vida”; aposta que, de resto, se concilia com a lógica de desenvolvimento de carreiras em “zig-zag”, em que o indivíduo, motivado pelo gosto pela mudança, possa percorrer ciclos alternados de aprendizagem e de desenvolvimento profissional; d) A consciencialização de que a aprendizagem activa e a intensificação da relação professor-aluno deve manter primado sobre o tradicional ensino passivo e “sebentistico”, e de que os hábitos de aprendizagem activa, autónoma ou não, devem ser imanentes ao indivíduo ao longo de toda a sua vida; e) A assumpção de que a universidade deve ensinar a pensar, a fazer, e a saber fazer, mais do que fomentar a transmissão e aquisição de conhecimento epistolar, efémero e perecível; f) A eleição de um “desafio de excelência” que compagine (o que nem sempre é fácil) as missões de bem ensinar (missão primeira) e de investigar, de produzir novo Conhecimento e de fortalecer a ligação da universidade ao meio empresarial e à sociedade; g) O reconhecimento de que a reforma do sistema educativo passa pela imperativa recentragem do ensino e da escola no estudante, a “matéria-prima” e o “produto acabado” transformado no seio do sistema; h) A interiorização de que existe -e existirá, cada vez mais – competição e concorrência entre escolas e universidades, e que a UMa tem que se preparar para a sua intensificação nas próximas décadas, ambiente em que não deverá nunca ser descurado o genuíno primado da meritocracia, o domínio da renovação das instituições sobre uma lógica de perpetuação de lugares e estatutos e a avaliação independente, rigorosa e continua das escolas e seus professores; i) O reconhecimento de que as “elites” científicas e culturais são essenciais ao desenvolvimento económico e social, Sem prejuízo da clara assumpção de responsabilidades públicas no sentido de obstar à exclusão de todos quantos revelem mérito e elevado potencial, independentemente de condicionantes de ordem financeira dos agregados familiares; j) A opção, assumida, clara, descomplexada e sem ambiguidades, de uma estratégia educativa baseada na prevalência do modelo anglo-saxónico de escola superior, fundeado na educação liberal e na formação integral do indivíduo, em evidente ruptura com um modelo tradicional, pesado, imobilista, centralista e excessivamente estatizado de oferta de educação de nível superior; k) A assumpção, correctíssima, de que um modelo de educação liberal é o mais consentâneo com a criação de condições de empregabilidade, a instituição de hábitos de aprendizagem contínua ao longo da vida e o fomento da capacidade de empreendedorismo e inovação dos jovens; l) A interiorização de que as capacidades de comunicação escrita e oral -nesta se incluindo a capacidade de persuasão e do uso da retórica -dos estudantes são essenciais à sua formação como indivíduos e profissionais, em contraponto com um modelo decrépito que vinha relegando para plano secundário – a pouco e pouco e, em certos casos, por completo – a avaliação das capacidades de comunicação e expressão oral dos alunos; m) A consciência de que o ensino de línguas e culturas estrangeiras é cada vez mais indispensável num mundo global e em constante mudança; n) O reconhecimento do papel crucial que a formação ética e deontológica dos estudantes é indissociável da formação do indivíduo, qualquer que seja a sua área académica e profissional de especialização; o) A consciencialização, por fim, de que a adaptação da UMa ao Processo de Bolonha deve fazer-se por etapas e gradualmente, nomeadamente não prejudicando a progressão escolar de actuais alunos e o estatuto de antigos alunos, e de que as grandes reformas internas só operam eficazmente se conduzidas através do